Wonka (2023)

de Pedro Ginja

A nostalgia é, actualmente, um dos mais rentáveis modos de apelar ao consumo de massas. Veja-se o exemplo do tremendo êxito de Top Gun: Maverick (2022) onde o grande sucesso dos anos 80 é “vestido” com uma nova roupagem para se adaptar aos tempos modernos. O seu êxito diz-se que “salvou” Hollywood e os blockbusters da extinção mas apenas exacerbou a continuação dos erros da indústria cinematográfica americana. Continuam aversos à criação de novas personagens ou franchises pois isso implicaria riscos desnecessários principalmente quando já existem tantas fórmulas testadas e bem-sucedidas. Até ao início deste ano isso era a única norma vigente mas Oppenheimer (2023) e, especialmente, Barbie (2023) vieram provar que o público está sedento de novas ideias e cansado das repetições, reposições ou reinvenções que o mercado continua a produzir.

Este Wonka de Paul King segue a tradição de repetição mas de uma perspectiva diferente. Willy Wonka está sedento de começar a sua carreira como chocolateiro e para isso viaja para uma cidade famosa pelo seu chocolate. Apesar do seu grande talento e da sua confiança inabalável as empresas de chocolate concorrentes não vão olhar a meios para impedir o sucesso de Wonka e para garantir a sobrevivência do seu próprio negócio.

Qualquer filme que seguisse esse clássico familiar e tremendo êxito comercial e de crítica chamado Paddington 2 (2017) seria sempre algo difícil de igualar para Paul King. Wonka é inspirado no livro de Roald Dahl, Charlie and the Chocolate Factory (1964) e que já faz parte da indústria cinematográfica com duas adaptações, a primeira de Mel Stuart – Willy Wonka & the Chocolate Factory (1971) com o icónico Gene Wilder, e a segunda de Tim Burton – Charlie and the Chocolate Factory (2005) com a reinterpretação polémica de Johnny Depp.

Há, desde logo, um intenso sentimento de nostalgia e de uma familiaridade reconfortante desde os primeiros segundos em que somos introduzidos a esta versão, agora nas mãos da estrela do momento Timothée Chalamet. O actor explora o idealismo e a inocência de alguém provido de um enorme talento mas incapaz de reconhecer a ameaça nos que o rodeiam acabando por tornar esta versão de Wonka a mais “boazinha” de todas. Não há aqui os duplos sentidos trazidos por Depp ou os “innuendos” de Wilder, capazes das mais variadas interpretações, mas sim um Wonka angelical, de moral inabalável mas desprovido da complexidade imposta por Dahl no seu livro. Isto não é referido para diminuir o trabalho de Chalamet que é de louvar, na criação de uma visão longe das outras versões, mas parece faltar essa contradição sempre presente na obra do famoso escritor.

No argumento, Paul King e Simon Farnaby continuam a demonstrar a sua habilidade para construir uma história assente na bondade humana e no triunfo do bem sobre o mal. Funciona como um daqueles abraços bem apertados do qual não nos queremos libertar. Para os fãs inveterados de Roald Dahl esta simplicidade poderá incomodar mas não há como negar o seu enorme coração e as bonitas lições ensinadas aos pequenos e aos graúdos. Os jogos de palavras, os trocadilhos e as aliterações são todas usadas como brincadeiras deliciosas dando um tom cómico constante e multiplicando as gargalhadas entre os espectadores.

No elenco absolutamente carregado de estrelas existem uns que brilham mais do que outros. Desde logo Olivia Colman, no papel da odiosa Mrs. Scrubbit, rouba cena atrás de cena; Tom Davis, como Bleacher, combina ameaça e um timing cómico perfeito e Matt Lucas, no papel de Prodnose, que mesmo com um espaço tão curto cria um gag recorrente com apenas uma palavra, durante todo o filme – hilariante. E, claro, não há como não falar de Hugh Grant como o Oompa Loompa de serviço. Como a sua importância foi tão destacada no marketing era esperada uma presença maior mas a verdade é que, no produto final, sabe a pouco. Visualmente, assim como na interpretação musical, vislumbrasse a clara inspiração na versão de 1971, dirigida por Mel Stuart, assim como a irresistibilidade, o carisma e as melhores piadas do argumento mas pedia-se algo mais afastado dessas referências e mais original na sua essência.

Na parte técnica há imensas coisas para nos maravilhar desde o colorido e imaginativo trabalho de design e uma direcção de arte com uma palete de cores impressionante com um destaque óbvio para os grandes momentos musicais e as coreografias de grupo. A música reveste-se de uma intimidade só possível por se rever e inspirar no musical criado a partir das palavras de Dahl com destaque para a constante presença do tema-chave “Pure Imagination”, originalmente cantado por Gene Wilder, mas com uma interpretação distinta de Chalamet. A direcção de fotografia de Chung-hoon Chung é notável com uma avalanche de ideias constantemente a desfilar no ecrã e posições de câmara inspiradas que nos permitem ver este mundo de perspectivas inesperadas. A edição fluí tão naturalmente que, por vezes, nem se nota o trabalho fenomenal de Mark Everson na criação de um sentimento de diversão pura.

Este Wonka consegue converter o mais cínico dos espectadores com a sua inabalável crença na bondade humana, presente no argumento e na sua habilidade de nos transportar para um mundo de pura imaginação ausente do cinema nos últimos tempos. Relembra-nos ainda de como a vida é mais doce, assim como o chocolate, quando a partilhamos com alguém fazendo deste filme o ideal para ver este Natal rodeado dos que nos são mais próximos.

Ps: Cuidado, no entanto, para não enjoar com a quantidade de doçura presente no ecrã.

3.5/5
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