Wonder Woman 1984 (2020)

de João Iria
Wonder Woman 1984

The Monkey’s Paw é uma short story sobrenatural sobre desejos concretizados com preços perigosos, escrita em 1902, com adaptações, paródias e referências cinemáticas e televisivas que mantiveram esta figura relevante na cultura pop atual. A Warner Brothers parece estar na posse deste artefacto, pois o seu método de distribuir blockbusters simultaneamente nos cinemas e no streaming service da HBO Max, numa forma de resgatar as longas metragens dispendiosas e atrair atenção a um novo produto, apresentam resultados duvidosos que podem debilitar o futuro da indústria, incluindo realizadores, equipas técnicas e sindicatos. A sequela de Wonder Woman é a sua primeira casualidade neste negócio arriscado e assim a pata de macaco começa a fechar. 

Wonder Woman 1984 encontra Diana Prince (Gal Gadot) entre a humanidade, durante a Guerra Fria. A perda de Steve Trevor (Chris Pine) permanece consigo, criando uma rotina solitária para Diana, que se encontra dividida entre duas identidades, a de super heroína e a de antropologista Sénior no Smithsonian. A sua nova colega, Barbara Minerva (Kristen Wiig), investiga consigo um objeto valioso que atrai uma atenção suspeita da estrela de televisão e homem de negócios Maxwell Lord (Pedro Pascal). Quando a Princesa das Amazonas reencontra Steve, ela procura compreender a sua misteriosa aparência, a ligação com a pedra Dreamstone e as possíveis consequências desta.

Escrever esta sinopse é um processo atribulado devido aos vários subenredos repletos de ideias que prolongam esta longa-metragem até 150 minutos cansativos, emulando as sequelas que optam por encher o copo até transbordar. Uma representação adequada da desapontante escolha de entregar propriedades de estúdios a realizadores visionários, cujas presenças raramente são sentidas como completas no resultado final, com produtoras que insistem em diluir narrativas singulares com água da sanita. 

As decisões bizarras na construção deste segundo capítulo parecem romper das aventuras cinemáticas dos anos 80, onde a arte era criada numa linha de cocaína, com desejos mágicos, makeovers, monólogos em eventos ridículos e um terceiro acto que podia pertencer a um episódio da Dora, a Exploradora. O que diferencia este de projetos semelhantes é a intenção de Patty Jenkins, como realizadora, de recriar uma experiência que recorda os clássicos Super-heróis e a criatividade dessa década. Existe uma escolha após o prólogo, que irá determinar se a audiência alinha no tom estabelecido para as restantes duas horas ou se esta irá perder-se em aborrecimento.   

Uma homenagem ao entretenimento escapista das bandas desenhadas, nas suas explorações recheadas de cores primárias e perspetivas esperançosas. Wonder Woman 1984 tem o coração de um comic book, aceitando o seu génese fantasioso, adaptando as revistas como parte da sua identidade e revelando um optimismo grandioso sonhador que parece saído das próprias vinhetas. Disposto a atingir momentos tão cheesy que não posso recomendar a pessoas com intolerância à lactose.  

Patty Jenkins realiza esta sequela, confiante na história que pretende contar, desenvolvendo um ambiente que recorda Spider Man (2002) de Sam Raimi. Os créditos iniciais assemelham-se aos de Superman III (1983), sem vergonha no glamour do absurdo e glorificando o escapismo que todos procuram obter no cinema como encantador. 

O excesso desta década é transmitido no guarda-roupa, cenários e na palette de cores, que se afoga numa nostalgia exagerada, apropriada para o propósito satírico do argumento, que representa um fim do mundo lotado com Porches. Ironicamente, essa abundância torna-se num dedo da pata de macaco. A diversão do primeiro acto distrai do enredo convoluto por um limite de tempo até perder controlo da sua direção com o peso da sua ambição.

Apesar do prometedor luxuoso prólogo e um combate simples animado num centro comercial, as restantes sequências de ação demonstram uma persistente inaptidão para coreografar movimento de câmara, usufruir do espaço ou conduzir um blocking de atores necessário para criar tensão no espetáculo visual. Jenkins insere motivação dramática numa perseguição que perde o seu impacto com uma montagem que confunde em vez de elucidar. O Green Screen interfere no poder emocional dos momentos, com um contraste de imagem demasiado forte para não sobressair como falso. Possivelmente ostensivo para criar um verdadeiro comic book film, contudo, para podermos escapar temos de acreditar no que estamos a observar e esta decisão prejudica instantes outrora veementes. Patty Jenkins compensa a ausência de controlo nestas grandes sequências ao induzir a história com uma alma e paixão genuína. 

O elenco cativa com Gal Gadot a demonstrar o seu talento sob a direção de uma realizadora que capta o melhor da atriz, ao focar no seu olhar. Chris Pine funciona como um acessório ao enredo e a Diana, ignorando os possíveis caminhos narrativos de Steve em prioridade da relação amorosa entre os dois. Ambos partilham uma excelente química, ainda que danifique a sua personagem.  

Kristen Wiig seduz a tela, ao incorporar Barbara com imensa personalidade, ultrapassando certas escolhas de enredo que fogem à lógica de Minerva, Wiig manifesta o charme e inocência nerd que Jamie Foxx não conseguiu com Electro no The Amazing Spider-Man 2 (2014). Pedro Pascal destaca-se a interpretar Max, inspirado pelo acting de Nicolas Cage, uma influência notável na sua performance, personificando o desastre da promoção de capitalismo americano com um megalómano que intende alimentar o seu ego até proporções de Mr. Creosote. 

Os protagonistas exemplificam os temas desta narrativa, a luta pela verdade individual. Max vive uma mentira, Barbara ansia outra verdade e Diana não está preparada para aceitar a sua. As personagens cobiçam satisfazer as suas vontades, contra as leis da natureza, através do mecanismo da Monkey’s Paw. A Warner Brothers e Patty Jenkins caem nessa mesma armadilha, aspirando mais do que conseguem, desvalorizando a sua autenticidade disparatada e abrandando o impacto emocional. A surpresa de funcionar contra todos os seus obstáculos está na paixão que a equipa técnica e o elenco acrescentam a esta obra. 

O estado lamentável de blockbusters americanos impele-me a reconhecer este como uma tentativa fútil de vender esperança pelo preço de 7 euros por bilhete ou 15 dólares por subscrição. Wonder Woman 1984 previne ser outra adição genérica num universo arrogante ao vestir a sua verdade e avançar com esta até ao fim, lutando pela sua crença, de forma encorajadora e recusando-se a embrulhar no cinismo, mesmo quando é debilitada por essa armadura. Um conto que surge de criadores que acreditam firmemente nas mensagens das grandes histórias de escapismo dos comic books, sobre o valor da humanidade, e numa ação tipicamente digna de super heróis, implementam essas com sinceridade. 

3/5
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