No seu livro Notes on Cinematography, Robert Bresson afirma que há dois tipos de filmes: aqueles que se servem da câmara para criar e aqueles que a usam para reproduzir. Pois bem, Women Talking, realizado por Sarah Polley, encaixa-se na segunda categoria de Bresson. A longa-metragem é uma adaptação do livro de Miriam Toews e inspirada num crime que teve lugar numa colónia religiosa ultraconservadora na Bolívia. Embora a mensagem do material original seja chocante e, ao mesmo tempo, de extrema importância para o debate sobre a violência que mulheres sofrem numa sociedade patriarcal, a obra não consegue utilizar a linguagem cinematográfica para recontar esse caso de uma maneira que não seja enfadonha. Ela não cria; apenas reproduz.
O filme conta a história das mulheres de uma colónia menonite depois de descobrirem que foram drogadas e violentadas por um longo período pelos homens do próprio agrupamento, que usavam a religião para encobrir os seus crimes. Após os culpados expostos e capturados, as mulheres têm dois dias para decidirem seu futuro na comunidade tendo apenas três opções: perdoar seus agressores; lutar contra eles; ou abandonar a colónia para sempre. Uma votação é invocada e há um empate, resultando numa reunião com 11 moradoras representantes para chegarem a um veredicto.
A reunião é o foco da longa-metragem, tendo longos diálogos e debates entre as representantes das mulheres da colónia. O problema deste tipo de argumento é que, como há muito texto, o mais provável é que nem todos sejam bons. Algumas falas possuem mensagens e reflexões importantes, porém, muitas outras são demasiado expositivas e clichês. A realização e o guião também não conseguem encontrar um equilíbrio para esse excesso de diálogo usando a linguagem cinematográfica. Em sequências em que o silêncio e o exercício de observação deviam imperar, Polley insere narração em voz off com informações completamente repetitivas e desnecessárias, como se o espectador não conseguisse interpretar sozinho tudo o que o filme tem a oferecer. Talvez a realizadora tenha percebido que a longa-metragem parecia mais uma adaptação de uma peça de teatro do que de um livro e quis acrescentar mais elementos à história, resultando em uma experiência maçadora e tediosa.
A parte técnica também possui escolhas questionáveis. Há enquadramentos sem sentido algum, como rostos que deveriam estar centralizados e completos estando tortos e com a cabeça cortada. O uso da banda sonora segue a mesma linha de raciocínio da narração em off, pois, em algumas partes, serve apenas para dar informações redundantes, deixar mais explícito o que o espectador deveria sentir em determinada cena. Para não dizer que todas as categorias têm defeitos, um dos maiores êxitos da obra são as atuações, em especial a da Jessie Buckley. A atriz consegue mostrar toda a complexidade da personagem, cuja criação religiosa conservadora está enraizada na sua personalidade, porém, vai percebendo durante a reunião que toda a violência que ela e as mulheres sofreram exigirá novas escolhas suas se quiser sobreviver. Merecia, facilmente, uma nomeação na categoria de Melhor Atriz Secundária por parte da Academia.
Women Talking foi nomeado ao Óscar 2023 nas categorias de Melhor Filme e Melhor Argumento Adaptado, o que pode ser um exagero. O mérito da obra, é a sua história chocante e o seu debate sobre violência misógina, porém esse feito é mais da obra base do que da realizadora e argumentista. Sarah Polley apenas pegou numa mensagem importante e construiu um filme clichê e enfadonho em torno dela.