Hollywood é um lugar onde coisas extraordinárias acontecem. Nascem, morrem e eternizam-se estrelas de cinema, criam-se imagens e mundos imaginados capazes de mudar a forma como olhamos para o que nos rodeia e existem guerras acesas e milionárias entre produtoras e distribuidoras pela possibilidade de ter debaixo da sua alçada os maiores pedaços de mediocridade que conseguimos encontrar sob a luz do sol. Efetivamente, Hollywood é um lugar especial.
Em defesa das companhias que andaram às turras por Wolfs, os ingredientes estão todos lá. O novo filme de Jon Watts, que o fez abandonar o projeto de introdução aos Fantastic Four na MCU, tem dois dos astros maiores dos últimos 30 anos em George Clooney e Brad Pitt, as suas respetivas produtoras, uma química entre os dois que já leva décadas e uma premissa que consegue convocar ao imaginário a série Ocean’s.
Neste caso, dois fixers que deviam estar a trabalhar sozinhos, são ambos convocados para o mesmo trabalho: encobrir um homicídio (?) perpetrado por uma influente política num quarto de hotel de luxo. O caso torna-se mais complexo quando descobrem que o rapaz morto no quarto ao lado estava a transportar drogas antes de ser seduzido para a divisão.
Mal-entendidos, dois fora-da-lei com charme bem ao estilo de Hollywood, alguma violência e liberdade verbal conferida pelo streaming. Wolfs parece um filme que Steven Soderbergh faria há uns 20 anos atrás, com estes mesmos protagonistas, porém sem qualquer réstia de charme desse mesmo filme. Jon Watts confirma aquilo que o seu filme com a Marvel já tinha exposto: uma total ausência de personalidade na cadeira de realização. Todo o filme passa-se numa noite nevosa em Nova Iorque, cenário que não é assim tão fácil de tornar aborrecido, no entanto Watts constrói as cenas mais cinzentas e pauperrimamente iluminadas que se conseguiu lembrar, com uma banda sonora de tal forma genérica que é difícil dizer se esta falta de criatividade é desleixo ou arrogância.
Se a realização da trilogia de Spider Man deixou a desejar, a verdade é que as personagens familiares, os intérpretes e a inquestionável instrumentalização da nostalgia nestes filmes tornaram fácil ignorar o seu desinspirado visual, até porque são já muitos os realizadores que passaram nos Marvel Studios e praticamente todos eles vêm o seu input criativo subjugado às necessidades de um Universo uniforme. Porém, utilizando Wolfs como termo de comparação, sem estes elementos, Watts aparenta não ter muito mais para apresentar se não tem personagens em quem se apoiar.
Na verdade, toda esta negatividade para o que está no interior do frame seria algo secundária se o argumento que coloca as personagens em movimento não fosse tão escandalosamente pobre. O charme e dinâmica de Clooney e Pitt é antiga e praticamente infalível, mas nem eles conseguem impedir Wolfs de se tornar demasiadamente intrincado e irremediavelmente aborrecido passados 20 minutos, e se as gargalhadas aparecem aqui e ali, ainda que meio secas e algo rápidas, são insuficientes e apenas quando o filme foge da sua incessante sequência de cenas em que cada uma das personagens repete simplesmente o que a outra disse alguns segundos antes. Se tematicamente não é descabido, algo que é deixado aparente pelo trocadilho gramatical do título (o plural de “wolf” é “wolves” e não “wolfs”, brincando aqui com a ideia que estes dois são semelhantes mas solitários), torna-se velho muito rapidamente e se Wolfs vive maioritariamente para o entretenimento com as suas personagens a discutirem como um casal geriátrico ainda apaixonado durante a totalidade dos seus 108 minutos, também falha miseravelmente ao nunca conseguir sair do registo letárgico em que se instala desde o início.
É assim todo um potencial desperdiçado. Dois atores que enchem o ecrã como poucos perdidos num filme que se recusa a arriscar, mesmo com o seu ambiente minimalista, que espera que estes dois milagreiros consigam trazer vida a um argumento que já nasceu ligado às máquinas e que, estranhamente, consegue ser, em simultâneo, genérico e difícil de seguir. Numa época em que Steven Soderbergh não tem somado gigantes sucessos, a maior proeza de Wolfs é fazer-nos suspirar por duas coisas: aquilo que Soderbergh já foi e aquilo que podia ter feito com ingredientes semelhantes aos que, infelizmente, foram dados a Jon Watts. São estas coisas que continuam a fazer Hollywood um sítio especial.