Não é de estranhar que alguém como Noah Baumbach se dê tão bem com o formato Netflix. Basta olhar para os sucessos de The Meyerowitz Stories (2017) e Marriage Story (2019), dramas íntimos e contidos em que a liberdade e orçamento oferecidos pelo streaming deixam Baumbach à vontade para expandir a sua tela de cinismo e humor. É por isso que se torna difícil olhar para White Noise sem sentir a mais pequena molécula de fascínio pela ambição mostrada por um realizador que decidiu agarrar num camião de dinheiro e adaptar o livro homónimo de Don DeLillo, que gentes destas coisas dizia ser inadaptável.
White Noise é caótico e talvez a melhor forma de o resumir seja pelas suas constantes: uma típica família suburbana americana, Jack (Adam Driver), Babbette (Greta Gerwig) e os seus 5 filhos que após um evento semi-apocalíptico, vêem-se confrontados com a sua própria mortalidade e começam a ser esmagados pela insignificância da sua existência.
É uma sinopse pouco clara, mas White Noise é um filme que faz jus ao seu título. É ensurdecedor, cheio de acontecimentos desordenados, coisas erradas, dessincronizadas, todos falam uns por cima dos outros, ninguém se ouve, a televisão ruge ao fundo de uma sala e as ondas radiofónicas não dão tréguas enquanto embatem com estrondo nos ouvidos dos nossos personagens. A separação em capítulos oferece uma ilusória ideia de ordem, mas mesmos os acontecimentos que trata cada parte – um drama familiar, uma tempestade tóxica e um thriller sobre a indústria da medicação – estão ligados, mas não de uma forma percetível inicialmente e o frenesim, cadência de diálogo e excesso visual estão sempre em alta rotação. Quando os raros momentos de silêncio se instalam brevemente, são bem-vindos e abrem portas a momentos que mostram um Baumbach a explorar territórios de thriller, que até agora não tinha navegado. Esta falsa quietude parece cair com alguma estranheza quando se assenta na tela e, nesse sossego, White Noise mostra às suas personagens que é no ruído que se encontram seguras, inertes e passivas, e quando removem esse véu de estática, a própria existência parece suster um peso demasiado pesado para os ombros dos meros mortais.
White Noise pode sofrer da sua forma, do caos narrativo que se instala enquanto Jack se recusa a aceitar que está perante um evento que se pode revelar mortal – com o timing cómico de Driver na sua plenitude –, ou Babbette a envolver-se num esquema que envolve medicamentos experimentais que lhe causam lapsos de memória frequentes. Porém Baumbach mantém-se fiel à sua ideia inicial e não tira o pé do acelerador nem por um segundo. No seu filme mais visualmente excêntrico – com set pieces cheias de carros em chamas montadas em paralelo com Jack a discursar sobre as massas que levaram Hitler ao poder e cenários de desastre atmosférico eminente que fazem lembrar o War of the Worlds (2005) de Spielberg – o realizador capta o perigo de ser demasiado consciente num mundo pós-capitalismo, em que despertar da rotina é o abrir de uma porta que é melhor manter fechada, sendo preferível mantermo-nos escondidos nas nossas realidades pré-fabricadas industrialmente, onde as cores bonitas do supermercado ou o alívio superficial do comprimido são os soporíferos necessários a uma vida que é demasiado cruel para ser experimentada totalmente acordado. O cinismo mascarado de otimismo de Baumbach dá uma camada estranhamente reluzente a um filme que se move entre a comédia deadpan que lhe é habitual e um drama existencial surrealista, que inicialmente nos puxa a gargalhada com o absurdo do quotidiano, mas que sorrateiramente instala um sorriso nervoso que apenas aparece quando sabemos que nos estamos a rir de algo a que estamos, relutantemente, habituados a fazer.
No seu movimento final, White Noise é honesto com o seu público, deixando cair momentaneamente a fachada de positividade, para abraçar a verdade mais desconfortável de todas e enquanto o som dos LCD Soundsystem enche a atmosfera de folia e dança, deixa sair a sua derradeira afirmação: feche-se os olhos ao caos que nos rodeia porque só nos temos uns aos outros.
O elenco é o deleite que se espera num filme de Baumbach – é especialmente maravilhoso ver Don Cheadle num registo quase “intelectualóide” – e é o filme mais aventureiro do realizador, usando toda a linguagem cinemática à sua disposição para dar mais de duas horas de uma anarquia que, apesar do seu ritmo, parece meticulosamente controlada, e se essa confusão algumas vezes impede White Noise de ser totalmente coeso, queixarmo-nos disso assemelha-se praticamente a reclamar que Marylin Monroe era demasiado loira: talvez seja verdade, mas é mesmo assim.