A quantidade de remakes do mundo cinematográfico é já bastante considerável. Na grande maioria dos casos, o resultado é dececionante. Há, no entanto, algumas exceções a considerar, como por exemplo o caso de The Fly (1986), de David Cronenberg, ou The Thing (1982), de John Carpenter. São, efetivamente, remakes apesar de não nos lembrarmos do original. A única coisa em comum entre ambos é que têm uma forte componente visual com uma identidade bem marcada de ambos os realizadores, e o facto do filme original não ser lembrado por quase ninguém. São estes os segredos para um bom remake mas Steven Spielberg troca as voltas e adapta um dos mais famosos musicais de sempre do cinema. Terá tomado a decisão correta?
West Side Story é, antes de ser um filme, um musical da Broadway, estreado no ano de 1957. Foi um êxito respeitável, com mais de 732 espetáculos, mas nunca um grande sucesso. Este só chegou com a estreia do filme, em 1961, que demonstrou o potencial cinemático do musical, aliado à música icónica do grande Leonard Bernstein. O grande sucesso chegou, do ponto de vista da crítica e do público, no final da noite dos Oscars com a entrega de 10 estatuetas, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Banda Sonora.
Falando um pouco do filme, este acompanha a história de amor entre María (Rachel Zegler) e Tony (Ansel Elgort), vindos de culturas distintas. De um lado os Jets, os habitantes originais do bairro de San Juan Hill, e do outro os Sharks, imigrantes porto-riquenhos que o ocuparam em busca do sonho americano. As tensões estão ao rubro e uma guerra de gangues está perto de explodir. Será possível o amor vencer as barreiras?
De uma forma simplista, seria esta a história que definiria o filme, uma de amor sem barreiras. Mas como em qualquer história de amor, o caminho nem sempre é fácil de percorrer. Há uma analogia clara entre o projeto West Side Story de Spielberg e esta narrativa apaixonada, pois ninguém esperava por ela, mas aconteceu. É uma clara homenagem ao original com um tom de reverência e respeito mas com a urgência de o atualizar para os nossos dias. O mais assustador é ver as realidades americanas em que a essa atualização não aconteceu ou regrediu para os níveis bem piores, num passado bem recente (crise migrante com o México), enquanto outros melhoraram, mas estão ainda bem longe do ideal de respeito e tolerância em termos religiosos e raciais. A tensão racial e a agressão cresce mesmo na versão de Spielberg, refletindo uma sociedade mais interventiva mas ainda muito dividida nos dois lados da vedação. O “Sonho Americano” já não é assim tão apetecível.
Não é surpresa encontrar Rita Moreno (a Anita da versão original de 1961) como parte do elenco e da equipa de produção. O argumentista Tony Kushner cria um papel novo para a actriz, o de Valentina, que serve como mentora de Tony, logo após este ter saído da prisão. Um papel pequeno mas uma justa homenagem ao elenco da versão de 1961, do qual é a única a marcar presença. O elenco apresenta qualidade tanto vocal como interpretativa, mas há apenas uma interpretação que voa mais alto que as restantes. Irónico que nesta versão de 2021 seja também Anita, interpretada por Ariana DeBose, com um crescendo de emoção, tensão e irracionalidade, premonitório de alguém que ama sem barreiras. É pena que o duo protagonista, Tony e María, seja aquele a estar menos em sintonia com o ambiente retratado e com a dura realidade deste bairro americano em ruínas.
Pode-se debater da necessidade deste remake na história do cinema mas não há como negar o impacto da música icónica de Bernstein e as letras de Stephen Sondheim. Spielberg filma-as com a reverência que merecem, sem receio de arriscar nos interlúdios entre as grandes cenas que todos os amantes do original esperam. E aí, é tudo amplificado a níveis exponenciais de cor, intensidade e espetáculo. A fotografia deslumbrante e os movimentos de câmara, como só Spielberg sabe, transportam-nos para a década de ’60 e para o mundo dos Jets e dos Sharks. O cinema musical e West Side Story estão de volta pela mão do mais improvável dos candidatos. Venham os Oscars?
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[…] e sexy triângulo amoroso é completado brilhantemente por Mike Faist (no radar desde o brilhante West Side Story (2021)) e Josh O’Connor, que nunca desilude em nada do que faz. Encarna Patrick Zweig, um poço de […]
[…] The Fabelmans mostra-nos a beleza em seguir os nossos sonhos mas também o preço a pagar pela ousadia de escolher a arte como forma de vida. Nostálgico, intemporal e com o coração nas mãos, Spielberg revela-se na sua essência e confirma a clara inspiração recente após o, também, brilhante West Side Story (2021). […]