“It’s okay not to be okay”
Não venho dizer nada de novo ao constatar que muitas vezes o gosto pessoal ou o estado atual de alguém pode afetar de várias formas a sua experiência de algo. Com isso ficam já avisados da existência dessa condicionante daqui para a frente.
We Live in Time é um drama bastante romântico onde Florence Pugh e Andrew Garfield se encontram e trazem até nós uma história de amor, resiliência, dor e (passando a redundância) tempo, através de Almut e Tobias respetivamente, dois jovens que se conhecem em circunstâncias caricatas.
Realizado por John Crowley e escrito por Nick Payne, este é um filme bastante leve de aparência e naturalista na sua abordagem para com a história. Em geral evita melodramas e foca-se apenas em mostrar a história deste casal, de como se conheceram e de como as suas vidas se desenrolam em conjunto. É este mesmo naturalismo que referia anteriormente ao ser um absoluto gosto pessoal e um estilo que pessoalmente me toca imenso, por muito que o filme não seja a coisa mais profunda de sempre ou a segunda vinda de Cristo.
É óbvio que um filme assim ganha ou perde imenso com o peso das suas performances, principalmente dos dois protagonistas. Todo o elenco é variado e sólido, mas nada memorável porque na verdade o filme é totalmente focado apenas nestes dois. Tanto Andrew como Florence fazem-se sentir leves e livres nestes papéis. Encaixam na perfeição, nota-se que são criados a partir deles mesmos e nota-se também a naturalidade com que essa leveza vai desde as cenas mais cómicas até aos momentos mais pesados e dramáticos. Tendo em conta que tudo se baseia apenas na dinâmica destes dois, é uma maravilha poder dizer que a química entre eles é excelente. Disparam muito bem entre si todas as falas, interações, reações e momentos. Fazem uma dança subtil em conjunto, de modo a permitir a cada um tomar a frente da narrativa ou juntarem-se em momentos para remar esse barco juntos, refletindo um pouco a vida dos personagens.
Num outro ponto também crucial para o funcionamento da obra, o argumento é bastante bom mas nada do outro mundo. Há uma história sincera, genuína e que se preocupa com o que diz e mostra, mas não tem propriamente os diálogos mais inovadores ou complexos no cinema. Esta não é a narrativa que vem dar um olhar absolutamente diferente sobre o amor ou sobre a vida. Não mergulha tão profundamente na complexidade humana e nas idiossincrasias que saem das relações interpessoais, nem desconstrói assim tanto a psicologia das emoções. E para ser honesto, não precisa de o fazer. Este é um filme que apenas conta uma história e demonstra, à sua maneira, mais um lado do ser humano, por muito que esse lado já tenha sido visto. Esta é uma honestidade que o filme transpira e que está em sincronia com a honestidade individual que as personagens têm de assumir para consigo mesmas. Existe uma aceitação para com a verdade que é alicerce emocional do enredo e que leva a momentos fortes e dolorosos até. Não é uma aceitação niilista, de todo. É uma forma de abraçar o imprevisto da vida, o improviso em cima do planeado. É uma forma de abraçar o momento, mesmo quando temos vontade de olhar milhas à frente.
Estruturalmente o filme está disposto de uma forma interessante e inesperada. Denunciado pela referência no título, a montagem está feita de forma a seguir diferentes momentos deste casal no tempo, tudo em simultâneo. Uma espécie de “nolanzisse” temporal. Esta decisão é confusa ao início, pois parece que nos tira o investimento no momento que estamos a viver. No entanto, acaba por tranquilizar e ser mais coerente com o decorrer da narrativa. A questão é que não há bem razão para esta decisão artística. Não se retira da experiência uma justificação para esta abordagem, seja porque faz sentido com algo no enredo ou porque nos faz sentir de certa forma. Mas a verdade é que quanto mais se pensa em motivos para o filme ser assim ou tomar certas decisões, mais se percebe que não é relevante arranjar motivos. Este é um filme que só o é. Só existe. E isso é mais que suficiente.
We Live in Time não é o melhor filme, nem a melhor narrativa, nem a melhor montagem, nem a melhor nada. Mas tem algo, algo que toca, algo que é real. Tem algo que faz dele uma excelente experiência e que é capaz de nos fazer sorrir e chorar, tudo ao mesmo tempo. Talvez pelos motivos que mencionei no início, mas isso não é relevante. Pensem nisto como o mais carinhoso, aconchegante e doloroso murro no estômago.
1 comentário
Ruben Faria, alguém que transpira arte, que a vida tem sido dura como para quem dá arte tenta viver, com uma visão incrível e que sem dúvida conseguiu aguçar ainda mais a minha vontade de ver este filme, que me parece incrível.
Obrigado pela crítica, obrigado por tanta sinceridade e honestidade. Obrigado ❤️