Haverá realmente uma forma certa de dizer adeus a quem fez parte de nós durante tantos anos? Volveréis (Voltareis), o mais recente trabalho do cineasta espanhol Jonás Trueba, subverte as convenções da comédia romântica, despojando-a da sua estrutura clássica para explorar a impermanência com uma delicadeza quase filosófica. Mais do que um estudo sobre o amor e a separação, o filme questiona os rituais que os moldam e a necessidade humana de conferir sentido ao fim. Simultaneamente, presta uma homenagem subtil à sétima arte, lembrando-nos de que o cinema, tal como as relações, é um espaço de repetição e reinvenção.
Ale (Itsaso Arana) e Álex (Vito Sanz) partilham um momento de quietude, deitados lado a lado, no rescaldo de uma dura introspeção. Após quinze anos juntos, compreendem que a relação chegou ao fim, mas, em vez de se resignarem ao peso melancólico da separação, concebem uma ideia tão absurda quanto poética: celebrar o divórcio com uma festa. Inspirados numa provocação do pai de Ale — de que se deveriam festejar as separações, e não os casamentos —, decidem transformar a despedida num ritual partilhado, um evento que desconcerta amigos e familiares, incapazes de conceber a dissolução amorosa sem uma carga de luto. No entanto, à medida que os preparativos vão tomando forma, torna-se evidente que o que está em jogo não é apenas a desconstrução de um tabu social, mas a tentativa de dar um novo significado à perda, conferir-lhe uma ordem e um propósito.
A premissa de Volveréis é resgatada de uma memória de infância de Trueba, que recorda o pai a proferir exatamente a mesma ideia. Uma observação fugaz, dita quase em tom de boutade, sedimentou-se na sua imaginação e, anos depois, tornou-se o ponto de partida para este filme, no qual o realizador não apenas questiona os rituais do amor e do adeus, mas também brinca com as convenções narrativas das comédias românticas que marcaram a sua infância. Não surpreende, portanto, que o filme tenha uma marca tão pessoal e que essa ligação se estenda ao elenco: Fernando Trueba, pai do realizador, interpreta o pai de Ale. Mas se a ideia de uma “desboda” pode soar como uma utopia — ou uma fantasia contra a dureza da realidade —, Volveréis abraça essa dimensão paradoxal sem ilusões fáceis. Mais do que sustentar essa possibilidade, Trueba interessa-se sobretudo pelo jogo entre o ficcional e o real, explorando até que ponto o cinema pode reescrever afetos e reinventar despedidas.
Trueba inscreve Volveréis na linhagem das comédias de re-casamento de Hollywood, evocando His Girl Friday (O Grande Escândalo), The Philadelphia Story (Casamento Escandaloso) e The Awful Truth (Com a Verdade Me Enganas), mas apenas para desconstruir os seus pressupostos. Se nos clássicos americanos os casais separados descobriam que estavam inexoravelmente destinados um ao outro, Trueba distancia-se radicalmente dessa lógica reconciliatória. O filme rompe com o otimismo romântico e inscreve-se, antes, numa vertente existencialista, convocando referências que vão de Ingmar Bergman a Stanley Cavell, passando por Kierkegaard.
Neste sentido, o filme não é apenas um relato do fim de uma relação, mas uma meditação sobre a própria essência da repetição, um conceito que Trueba trabalha tanto narrativa quanto esteticamente. A repetição, aqui, não é estagnação, mas um processo de redescoberta, um ciclo que permite às personagens – e ao próprio cinema – encontrar novas formas de existir. Entre o quotidiano e a utopia, o realismo e o absurdo, Volveréis constrói um espaço onde o amor, seja ele romântico ou platónico, não se esgota verdadeiramente, apenas se transmuta.
No plano formal, Volveréis é uma demonstração de subtil virtuosismo. A fotografia de Santiago Racaj abraça um realismo despojado e luminoso, no qual Madrid surge como um espaço de memórias e de rotinas, enquanto a montagem de Marta Velasco estabelece um ritmo fluido e naturalista, pontuado por cortes que destabilizam subtilmente a linearidade da narrativa, evocando uma metalinguagem que reforça o caráter ensaístico do filme. Já a direção de atores privilegia a espontaneidade e a contenção: Arana e Sanz, que já se tinham cruzado no grande ecrã nos trabalhos anteriores do realizador, entregam interpretações de notável naturalidade, ancoradas numa cumplicidade que se evidencia nos silêncios, nos olhares furtivos, nos gestos ínfimos, no modo como a inércia do afeto resiste ao tempo e à decisão racional de separação. Trueba capta esta intimidade com uma sensibilidade rigorosa, sem nunca perder de vista a humanidade das suas personagens nem a melancolia subjacente à sua história.
Mas se Volveréis é, em última instância, um filme sobre o amor, é também um filme sobre o próprio cinema. Trueba joga com o metacinema para explorar como as histórias de amor — e o próprio ato de amar — são, em grande medida, construções narrativas. Tal como o cinema molda a nossa perceção do romance, através dos seus gestos e repetições, também as relações amorosas se edificam sobre pequenas ficções partilhadas. Mas, ao contrário dos finais fechados do cinema clássico, Volveréis sugere que o amor é um processo sempre sujeito a novas leituras.