O cinema europeu consolidou, ao longo das décadas, um estilo narrativo que se afasta dos ritmos acelerados e da linguagem directa do cinema comercial. Nesta tradição, há uma preferência por histórias contemplativas, onde o tempo é dilatado e os detalhes do quotidiano ganham protagonismo. A ausência de banda sonora marcante, a encenação mais naturalista e o olhar atento ao gesto simples fazem parte de um realismo que procura provocar o espectador não com reviravoltas, mas com reflexões profundas sobre o passado, o presente e a própria condição humana. Filmes como The Turin Horse (2011), de Béla Tarr, ou The White Ribbon (2009), de Michael Haneke, são expressões potentes deste cinema, que exige paciência, mas recompensa com densidade e inquietações duradouras.
Sendo esta linguagem cinematográfica icónica e tendo dado origem a grandes obras, não surpreende que muitos cineastas dela se inspirem. Contudo, há um ponto delicado: a narrativa que se foca no simples, no quotidiano, pode parecer fácil de construir — no entanto, como escreveu Clarice Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”. E é precisamente nesse esforço que muitos tropeçam.
Vermiglio, filme italiano escrito e realizado por Maura Delpero, é um exemplo disso. A história — passada em 1944, numa remota aldeia nas montanhas italianas — acompanha a chegada de Pietro, um desertor, à casa de um professor local. A sua presença e o amor que desenvolve pela filha mais velha do anfitrião alteram o rumo da vida daquela família. A premissa é intimista, carregada de potencial dramático e histórico, mas a execução deixa escapar a força que poderia ter.
As passagens de tempo, por exemplo, são feitas de forma tão subtil que só percebemos as mudanças quando algo se altera fisicamente nas personagens. Essa subtileza, que poderia ser um trunfo, acaba por gerar afastamento — parece que parte da experiência de acompanhar e crescer com as personagens nos é negada. Para piorar, os protagonistas falam muito pouco e as suas relações são pouco exploradas. Entretanto, há uma verborragia desnecessária por parte das personagens secundárias, sobretudo das crianças, que ocupam um espaço que poderia ter sido dedicado ao aprofundamento emocional dos verdadeiros centros da narrativa.
O trabalho de fotografia também levanta ruído. Cinematografia não é apenas enquadrar planos bonitos — trata-se de criar imagens que dialoguem com a história, que ampliem a sua carga simbólica. Em Vermiglio, os cenários montanhosos e o ambiente rural isolado são, de facto, visualmente belos, mas acrescentam pouco ao desenvolvimento narrativo. Os detalhes exibidos dos protagonistas tornam-se quase redundantes, uma vez que as personagens secundárias frequentemente verbalizam aquilo que já se intui — uma narração que subestima o olhar do espectador.
No final, é uma realização hesitante. A obra parece conter muitas histórias com potencial e muitas personagens que poderiam ter sido exploradas com mais profundidade, mas o argumento e a realização de Maura Delpero não encontram um equilíbrio entre elas. As características que, em realizadores como Michael Haneke e Béla Tarr, ajudam a criar tensão e densidade — a lentidão, os silêncios, os gestos suspensos — aqui acabam esvaziadas de propósito. O tempo passa, mas não nos envolve. O filme, com menos de duas horas de duração, parece arrastar-se como se tivesse o dobro. E não por ser contemplativo, mas por não ter fôlego suficiente para sustentar o que escolheu silenciar.
Exibido na 81.ª edição do Festival de Veneza, onde recebeu o Grande Prémio do Júri, Vermiglio é mais um exemplo de como a linguagem não é tudo. Identificar-se com um estilo consagrado não garante profundidade nem impacto. A obra bebe com voracidade das suas inspirações, mas não encontra uma identidade própria que beneficie as suas personagens ou a sua história.