Vadio (2023)

de Pedro Ginja

Mais um dos muitos filmes portugueses reféns de uma pandemia inesperada que atrasou toda a produção e pós-produção posterior. Filmado em 2019, acabou por ficar no limbo normal de todas as produções desta altura, principalmente as portuguesas, devido ao pequeno mercado ainda a recuperar dos efeitos da pandemia. Ultimamente as estreias portuguesas têm sido muitas e variadas nas temáticas, mas continuam a não encontrar o público que muitas vezes merecem. Simão Cayatte, na sua primeira longa-metragem, encontra ele próprio na sua filmografia uma nova maneira de mostrar cinema, após o controlado e preciso Menina (2016). Encontra neste Vadio um drama actual e uma visão mais naturalista das suas personagens.

André (Rúben Simões) é um miúdo que trabalha com o pai na realização de furos de água em pleno Alentejo. De um dia para o outro o pai desaparece e André tem de recorrer à única vizinha das redondezas, Sandra (Joana Santos), para o ajudar a encontrar. Mas o que ambos acabam por encontrar não é o que esperam.

É um filme que funciona por se apoiar no que julgamos saber sobre André, uma criança negligenciada pelo pai, apesar de viver uma felicidade aparente. O principal, o amor, parece estar lá por parte do pai, que lhe dá liberdade de perseguir as suas paixões. Além de André a outra parte da equação está em Sandra, sobre a qual recai uma aura de anonimato, que ela própria estabelece desde logo com André – “Estou aqui mas não te dou muitas confianças” parece dizer, nas suas primeiras interacções. O convívio entre ambos dá-nos a conhecer, ao mesmo ritmo que dá a André, quem é Sandra na sua vida real, que tal como todos nós, clama por ajuda mesmo quando tenta a todo custo não depender de ninguém. É neste sentimento maternal, que organicamente se estabelece entre as duas personagens, que o filme assenta e também é sobre eles que o argumento de Simão Cayatte nos conquista. 

Joana Santos traz a Sandra subtileza e uma tristeza entranhada na pele da qual nunca se liberta, enquanto Rúben Simões coloca em André a sua determinação e um instinto de actor que necessita ser trabalhado para atingir o potencial que demonstra aqui. Surge então Luísa Cruz, sem grandes explicações, numa personagem cruel, na sua dor, e que deixa o mundo de Vadio de pantanas.  

A opção na cinematografia de Bartosz Swiniarski por uma paleta de cores naturalista e com preponderância da luz ambiente, tanto diurna como nocturna, reforça a aura do desconhecido de tantas realidades nacionais, de tantos homens e mulheres que sofrem em silêncio e torna a audiência mais próxima do que se desenrola à frente dos seus olhos, mas não deslumbra para além de algumas breves cenas carregadas de cores e neons da noite alentejana. É um mundo em ruínas e abandonado, longe da beleza das bonitas paisagens alentejanas, e este é o foco certo para retratar esta realidade dura e implacável de um local cada vez mais esquecido, tão ou na mesma proporção que Sandra e André.

Simão Cayatte continua a apostar em histórias perto do seu coração e encontra no seu duo de protagonistas, Joana Santos e Rúben Simões, o veículo ideal para o mostrar ao espectador. A viagem não é isenta de percalços mas mostra a sua versatilidade na maneira como vê o cinema e augura um futuro promissor.

3.5/5
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