Utøya 22. Juli (2018)

de Sofia Alexandra Gomes

Vivia-se uma manhã calma e serena na Noruega de 22 de julho de 2011. Em Oslo, capital do território nórdico, tudo corria dentro da normalidade e na ilha de Utøya realizava-se mais um acampamento de jovens, organizado pela juventude do Arbeiderpartiet, (o Partido Trabalhista Norueguês, em português) que na altura liderava o governo. Nada, absolutamente nada, fazia prever a iminência dos dois ataques terroristas que mais pessoas vitimaram no país desde a Segunda Guerra Mundial.

Do aclamado norueguês Erik Poppe – mais conhecido também pela realização de Hawaii, Oslo (2004), DeUsynlige (2008) e Tusen Ganger God Natt (2013) -, Utøya 22. Juli retrata precisamente esses dois acontecimentos fatídicos. Inicialmente, o filme evoca imagens reais do primeiro ataque: por volta das 15h20 do horário local por meio de um carro-bomba, construído por um cidadão norueguês de extrema-direita, deu-se uma grande explosão perto do gabinete do primeiro-ministro da Noruega nessa época, Jens Stoltenberg, que provocou oito óbitos. Contudo, quanto ao atentado em Utøya, que vitimou 69 jovens mortos a tiro indiscriminadamente pelo mesmo homem, a narrativa abandona a solução anterior, isto é, passa para uma reencenação do massacre verdadeiramente acutilante.

A protagonista desta película é Kaja (Andrea Berntzen), uma jovem que foge freneticamente pela ilha assim que começa a ouvir tiros. Porém, ainda que desesperada, Kaja procura incansavelmente pela sua irmã Emilie (Elli Rhiannon Müller Osborne) e não deixa de prestar auxílio na medida que lhe é possível a quem vê desamparado e/ou ferido. De facto, Andrea Berntzen não é apenas protagonista por designação: é-o na verdadeira ascensão da palavra, encabeçando uma prestação sublime, que deixa rendido e emocionado qualquer espectador graças à coragem, sensibilidade e vulnerabilidade que aqui revela. Aliás, a conspicuidade da sua atuação valeu-lhe em 2018 o prémio Amandaprisen na categoria de Melhor Atriz, no Festival Internacional de Cinema da Noruega.

O enredo de Utøya 22. Juli, ainda que baseado nos atentados suprarreferidos, não retrata uma história verídica. Mais concretamente, a vivência de Kaja não corresponde à realidade, pois trata-se de uma personagem fictícia que assume na narrativa uma espécie de personagem-tipo que compila o terror vivido pelos jovens noruegueses nesse trágico dia. Já o filme 22 July, igualmente lançado em 2018 pela Netflix, realizado por Paul Greengrass, por oposição, retrata a história autêntica de Viljar, um dos sobreviventes do atentado em Utøya, cujo papel é desempenhado por Jonas Strand Gravli de forma igualmente impressionante. Ambos os filmes são os mais afamados no que concerne ao retrato da desgraça que assolou a Noruega a 22 de julho de 2011, mas Utøya 22. Juli “vence” pela emoção, sobretudo pela emoção, que trespassa ao público, não permitindo a ninguém ficar imóvel aquando assiste à corrida pavorosa dos jovens pela floresta da ilha enquanto ouvem o barulho ensurdecedor das armas a dispararem para e por todo o lado.

Vencedor do Prémio do Cinema Europeu de Melhor Diretor de Fotografia de 2018 e selecionado para o Berlinale no mesmo ano, Utøya 22. Juli vinga pelo plano-sequência, que se apresenta distinto para caracterizar um massacre deste calibre. Deste modo, sentimos que a acometida dura o dia inteiro, quando na realidade prolongou-se até aos 72 minutos.

O filme alimenta, primeiramente, (quando acaba, entenda-se) uma certa sensação de estranheza, um tanto negativa, dado que a angústia e a inquietação que sentimos ao longo da história leva-nos inevitavelmente a querer saber que consequências vai ter o assassino, a título de exemplo, mas Erik Poppe opta somente por mostrar o horror vivido pelos adolescentes no acampamento, tipificado extraordinariamente em Kaja. Todavia, em segundo lugar, percebemos o porquê desta escolha: o que distingue e particulariza esta obra é a evitação ao sensacionalismo que adotou deliberadamente, quer dizer, procurou caracterizar o(s) nefasto(s) episódio(s) sem adentrar em tribunais, no sofrimento das famílias, na exploração mediática que existiu, etc., quadro que 22 July perfilhou (literalmente).

Utøya 22. Juli é, apesar da curiosidade forçosa para saber mais pormenores sobre as investidas que permanece em nós, um filme único na adaptação cinemática que faz da maior calamidade terrorista que alguma vez aconteceu na Noruega e por isso tem um valor histórico naturalmente ímpar que acompanha e é acompanhado por um clima de suspense e amedrontamento espantosamente orquestrados.

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