Upon Entry oferece uma lição importante para o mundo: nunca meter os pés nos Estados Unidos da América. Possivelmente das mensagens mais astutas do cinema contemporâneo. Alejandro Rojas e Juan Sebastián Vásquez elaboram uma pequena todavia intensa viagem, aliás intensa paragem, pela alfândega dos Estados Unidos, onde um casal imigrante é interrogado com os típicos intimidantes métodos deste país vermelho, azul e branco. Durante este procedimento intrusivo, a sua relação é inadvertidamente testada e empurrada além dos limites básicos de humanidade ou compaixão, revelando segredos desconfortáveis. Nem mesmo soulmates conseguiriam lidar com agentes da fronteira americana. Cancelem o voo, preservem as vossas relações.
Este é o conceito principal desta longa-metragem que inicia com uma notícia sobre a construção de uma parede para bloquear imigrantes mexicanos, promovida pelo presidente Donald Trump. Porque aparentemente não existe mar e ninguém consegue escalar paredes? Vamos ser sinceros, o sistema escolar americano é como o cabelo do presidente: está só a cobrir a careca. Uma informação prevalente mas que não parece afectar o entusiasmo da nossa dupla protagonista, Diego (Alberto Ammann), um arquitecto urbanista venezuelano a residir em Espanha que procura – desde a sua juventude – entrada neste país dos “sonhos”, e a sua parceira Elena (Bruna Cusí), uma professora de dança contemporânea espanhola – vencedora de uma lotaria de vistos de diversidade –, ansiosos pela sua chegada aos Estados Unidos para começar uma nova vida. Apesar dos seus vistos aprovados, os dois são imediatamente detidos e levados para uma área de inspecções onde a sua felicidade é substituída por confusão e receio.
Similar a um filme de terror, Upon Entry aprisiona a sua audiência com os seus protagonistas num sistema invasivo, hostil e ferozmente agoniante, manipulando simultaneamente a narrativa, o público e as suas personagens. Por outras palavras, captura perfeitamente a entrada de imigrantes nos Estados Unidos da América. Rojas e Vásquez mantêm a realização contida, desprovida de movimentos de câmara súbitos, edição frenética, banda sonora ou um embelezamento cinemático, para evitar distrair o espectador do seu argumento engenhoso, absorvente e tenso ou das performances incríveis de Alberto Ammann e Bruna Cusí, ambos entregando uma profunda humanidade corporal e emocional às suas personagens – notável nas suas reações perante este processo –, permitindo uma imersão natural na história, até para pessoas que nunca enfrentaram, ou meramente desconhecem, esta realidade assombrosa, enervante e genuinamente insuportável.
Visualmente afogado em cores cinzentas e mortas, como um limbo infernal dedicado a torturar seres humanos inocentes ou uma sala de espera no pior hospital de sempre, esta jornada psicologicamente sufocante distingue a importância de nacionalidades e de contextos políticos no comportamento dos seus protagonistas, com cada indivíduo exibindo distintas condutas. Elena demonstra ocasionalmente a sua indignação com comentários, respostas e até negando participar nesta operação absurdamente humilhante para qualquer individuo, uma rejeição desprezada pelos uniformes desta sala, que parecem quase deliciar-se no sal das suas lágrimas e no seu desconforto. Contudo, Diego está empenhado em distanciar-se destas indesejadas atenções, aclimado a um ambiente violentamente turbulento na Venezuela, referindo uma experiência traumática na sua juventude – contestada pelos agentes como se fosse uma piada insignificante –, a sua intenção é simplesmente preservar uma inexistente tranquilidade, mesmo quando a sua relação amorosa é usada como forma de ataque. É uma atmosfera deliberadamente provocante, tempestuosa o suficiente para compreender (e adquirir) o ódio mundial pela Terra dos Livres e o Lar dos Bravos.
A excelente e divertidamente negra punchline deste vigoroso drama é inserida na sua conclusão cruel mascarada de esperança, quando subitamente todas as oportunidades teoricamente oferecidas pela nação são afugentadas pela sua entrada isenta de tapete. Demasiadas vezes ouvimos opiniões alheias acerca de separar a política do cinema, uma necessidade compreensível para pessoas que encaram esta expressão artística audiovisual somente como entretenimento banal. Todavia, todo o cinema é político, até o propósito de produzir um filme apolítico é uma decisão política, é ignorar a verdade do nosso mundo. Upon Entry está consciente deste aspecto penoso, com um casal apaixonado no centro da história a ser prejudicado por elementos exteriores e irrelevantes à sua conexão. É impossível escapar deste facto quando nesta nossa realidade, a pura existência de um ser humano é involuntariamente um acto político. Basta olhar para as barreiras.