Pop culture. Floats away like tissue paper. I blow my nose, I find a used kleenex, I recycle it, and there is your wedding song.
As infinitas camadas conceituais de Under the Silver Lake são, simultaneamente, a sua maior vitória e um tiro no pé.
O filme de 2018, realizado por David Robert Mitchell, conta a história de Sam, interpretado por Andrew Garfield, um frustrado trintão sem ambições nem dinheiro que desenvolve uma obsessão pela a sua vizinha Sarah (a sempre fabulosa Riley Keough). Quando esta desaparece de um dia para o outro sem deixar rasto, Sam dedica-se a descobrir o que é que lhe aconteceu. No processo, vai desvendando todos os segredos mais obscuros de Hollywood.
Enquanto filme de mistério, Under the Silver Lake é um dos melhores que se produziu na última década, na forma como cria suspense e constrói expectativa. A informação é revelada gradualmente, através de peças soltas provenientes das mais diversas e inesperadas fontes. Algumas encontram o seu lugar no puzzle final do filme, enquanto que outras nunca chegam a encaixar, o que acaba por deixar um sabor amargo na boca do espectador.
A realização, a banda sonora, a fotografia e as magníficas performances, enaltecem o rocambolesco argumento de forma orquestral e inebriante. E ainda que o seu clímax se revele algo pálido em relação às esperanças que foram sendo criadas, o filme não deixa de ser uma viagem fascinante.
Under the Silver Lake não é, todavia, só um simples filme de mistério. A influência do noir “Hollywoodiano” clássico é quase palpável ao longo de todo o filme, não só na sua estrutura narrativa, mas também na sua banda sonora, e em toda a tradição cultural que penetra os seus temas e cenários.
Silver Lake é um bairro na região Este de Los Angeles fronteiriço com Hollywood, onde nasceram os primeiros estúdios de cinema da cidade. Por várias vezes, Sam e Sarah assistem a inúmeros filmes da Golden Age de Hollywood, e a casa do protagonista está repleta de posters de thrillers e filmes de terror clássicos como The Wolf Man, de 1941, Creature from the Black Lagoon, de 1954, Psycho, de 1960, mas também de outros elementos da cultura pop como Kurt Cobain e a banda desenhada da Marvel The Amazing Spider-Man (uma referência de dupla carga dado a cinematografia de Garfield).
Estas escolhas não são capricho do realizador, ou apenas uma homenagem ao sítio onde decidiu centrar a sua narrativa, mas sim pistas sobre as respostas às perguntas de Sam. A cultura pop é dissecada, examinada, e retorcida por todos os xadrezistas da história, incentivando a uma reflexão crítica pela parte do espectador sobre tudo aquilo que consome e adota para formar a sua identidade própria.
Mais concretamente, Under the Silver Lake, produzido nas vésperas do movimento #MeToo,questiona as estruturas de Hollywood, que de tão enraizadas que estão, são praticamente inabaláveis, especialmente no que refere o poder e o sexo, sendo as mulheres pouco mais que objetos sexuais no decorrer da intriga.
Enquanto protagonista, e na boa tradição do noir, Sam está longe de ser o herói da história. Aliás, ele é parte do problema, partilhando muitos dos vícios que corrompem a cultura à sua volta. No entanto, ao mesmo tempo que fica a conhecer as profundezas do submundo de Los Angeles, acaba por se autoconhecer também.
Esta rede de significados é tão rica e estimulante que, quando finalmente nos é oferecida uma resolução, acaba por saber a pouco. No seu último ato, o filme torna-se lamentavelmente literal em muitos aspetos, o que só evidencia a falta de resolução dos restantes, criando um contraste desnecessariamente óbvio.
Se tudo na conclusão de Under the Silver Lake se tivesse mantido ambíguo, as suas falhas seriam esbatidas, e, acima de tudo, entender-se-ia que as questões estruturantes que o filme levanta durante mais de duas horas são tão complexas que é, na verdade, impossível encontrar uma resposta simples para elas.