Um Pedaço de Céu / Drii Winter (2022)

de Pedro Ginja

Estar embrenhado na natureza e na sua beleza é um sentimento deveras poderoso. Um local onde o tempo parece ter outra definição. Tudo acontece mais lentamente, entre os silêncios da natureza, e os dias passam como um riacho por entre os vales. Não há correrias ou trânsito, poluição ou o stress de ter de estar obrigatoriamente em algum lugar ou cumprir prazos rigorosos, nos quais a nossa vida parece depender. É preciso, apenas, estar, ver e acima de tudo sentir. É esse sentimento que Michael Koch procura trazer ao espectador nesta segunda longa-metragem, estreada na edição da Berlinale de 2022 e onde recebeu uma menção honrosa pelo júri liderado por M. Night Shyamalan.

Drii Winter (em português, Um Pedaço de Céu) desenrola-se numa vila remota dos Alpes Suiços onde vivem Anna (Michèle Brand) e Marco (Simon Wisler), um jovem casal em pleno início de relação. Uma descoberta inesperada acaba por pôr à prova o amor e o futuro de ambos num local em que a proximidade de todos, apesar de em pequeno número, também traz mais conflitos e mal-entendidos. Conseguirá o seu amor sobreviver a todas as “forças” que se acumulam contra eles?

Entramos nesta história a acompanhar o trabalho no campo, com a paisagem magnífica dos Alpes suíços como “pano de fundo”. O som de um martelo tilinta nos ouvidos enquanto vislumbramos as costas de Marcos (Weisler), no qual a história se debruça, a bater num toro de madeiro. Um pouco depois a câmara descobre Anna (Brand) a servir cerveja num bar para alguns clientes. Slow cinema, no seu estado mais puro, com os tempos e o ritmo a privilegiar a contemplação em detrimento de explicações rápidas ou necessidades urgentes de avançar a narrativa.

É claro, desde início, a absoluta reverência de Michael Koch pelo mundo natural, pelos animais, pelos seus protagonistas e pelo trabalho simples do campo. Há um favorecimento de planos longos e fixos onde se reforça o magnífico cenário perante os nossos olhos e onde não há receio de revelar a vida no campo tal como ela é, com uma simplicidade tocante e beleza luminosa, mas também uma dureza inegável e crueza dilacerante. Destaque ainda para os planos aproximados, que coadunam na perfeição com os temas sérios representados, sempre abordados com o devido respeito que merecem. 

Há também uma clara devoção pelos silêncios, que particularmente aprecio, deixando a história “respirar” quando ela mais precisa e deixando-a fluir para onde tem de fluir. No entanto, algumas decisões de Koch, como o uso de interlúdios musicais, retiram a audiência desse ambiente idílico de montanha e afastam-na do cerne da narrativa. Mas isto em nada belisca a qualidade da mesma, com o uso de coros polifónicos e do, meu amado, violoncelo para potenciar o clima melancólico desejado para a história.

Simon Wisler e Michèle Brand são quem comanda a história, num elenco, aparentemente não profissional, o que reforça ainda mais o naturalismo desta produção. Mas, na prática, o termo não se aplica a Simon Wisler, que é um poço de contenção num argumento marcante e comovente. Simon dá a Marco uma calma aparente com o desespero a espreitar a cada esquina. A tensão chega a ser debilitante para o espectador que procura a reacção ou sinal de vida por parte de Marco. O facto de Michael Koch retirar de um actor, no seu primeiro trabalho, uma actuação tão complexa, na sua sobriedade, é um feito notável. E não está sozinho, pois Michèle Brand, como Anna, é a metade emotiva deste casal e complementa uma relação que nunca deveria resultar, em teoria. É uma mulher de força e de convicções inabaláveis, principalmente no seu amor por Marco. Michèle revela, nos detalhes, e principalmente nos olhares e silêncios, esse sentimento, expondo ao mundo o seu talento para representar. Nos restantes actores ou extras, a faceta do naturalismo total não se revela tão certeira, com algumas interpretações a distraírem pela qualidade inferior.

Concluo com as sábias palavras de Ricardo Reis, numa das suas muitas odes, por perfeitamente resumir a essência de Drii Winter:

“Breve o dia, breve o ano, breve tudo.

Não tarda nada sermos.

Isto, pensando, me de a mente absorve

Todos mais pensamentos.

O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,
Que, inda que magoa, é vida”

In Odes de Ricardo Reis. Fernando Pessoa, 1946

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