Um Filme do Caraças… talvez para a televisão
Um Filme do Caraças é já a quarta longa-metragem de Hugo Diogo, uma comédia escrita em parceria com André Mateus, com quem trabalhou em Ladrões de Tuta e Meia (2019). Um Filme do Caraças segue a vida de Oscar Pina (Pedro Alves), um realizador de filmes para adultos que é recrutado por um produtor (José Pedro Gomes) com o objetivo de finalizar um projeto dramático, um épico, um “filme a sério, um filme daqueles como deve ser”.
Este filme conta com várias caras conhecidas, especialmente do mundo da comédia – Pedro Alves, José Pedro Gomes, Eduardo Madeira, António Machado, Francisco Menezes, Herman José, entre outros. Automaticamente o filme torna-se um convite simples para todas as pessoas que ao longo das suas vidas se riram com estas figuras desde os tempos anteriores a Conversa da Treta (1999), Herman Sic (2000), Paraíso Filmes (2002), Levanta-te e Ri (2003), Maré Alta (2004), Hora H (2007) Telerural (2008), Os Contemporâneos (2008) entre outros tantos programas televisivos (e não cinematográficos).
O motor do filme é Eduardo Madeira e o seu poder de representação – que parece ter sido valorizado, o que, por outro lado, não parece acontecer com a esmagadora maioria dos personagens (talvez à exceção de Ana Campaniço). Não há muito mais comédia do que a sua comédia física, os timings da entrega das falas e piadas e, ainda, a sua versatilidade de interpretação. Infelizmente, torna-se impossível um ator carregar um filme às costas tendo em conta o trabalho coletivo que é fazer cinema. Muitos dos personagens são praticamente inexistentes ou até desnecessários, como, por exemplo: o diretor de som (Francisco Menezes) que aparece talvez em 5 minutos de tempo de ecrã, ou a Carlota Copa (Clara Gondin) que aparece para dar meia dúzia de falas motivacionais ao personagem principal e bater com chicote.
Fazer rir não é fácil até para os grandes profissionais da comédia, e isso torna-se mais difícil numa sala de cinema quando, normalmente, se pressupõe que não vamos apenas para nos rir. Seria como ir a uma sala ver stand-up comedy com a expectativa de ver imagens em movimento. A solução de filmar piadas soltas, quase como sketches, e de introduzi-las numa narrativa linear parece não funcionar quando a grande parte da técnica própria do dispositivo é colocada de parte, como, por exemplo, na construção da narrativa, do som, e da imagem. A opinião de que filmes de comédia são inerentemente fracos ou maus é falaciosa e existem grandes exemplos disso nos silenciosos anos 20 com Charlie Chaplin, Buster Keaton e Harold Lloyd. Mas todos estes tinham um cuidado com o meio (através do cinema) que usavam para fazer a comédia – em especial Buster Keaton, que se preocupava literalmente com o dispositivo físico, com a câmara de filmar e a sua mecânica – e isso é sentido nas suas obras.
Ainda que o filme seja sobre cinema, são poucas as técnicas ou momentos em que o metacinema é usado – recordo dois momentos: no início, com os créditos do filme produzido na narrativa, e no final, com uma quebra da quarta parede. São usados também momentos de autorreferência pela parte do realizador – por exemplo, quando o personagem de José Pedro Gomes está a escolher quem irá contratar, vemos uma fotografia do realizador Hugo Dias, que se encontra na lista entre outros realizadores como Spielberg e Francis Ford Coppola. Ou seja, por um lado, existe esta dinâmica de brincar com o próprio cinema, mas, por outro, parece que não se pensa nele mais do que isso, não se pensa no cinema mais do que uma simples brincadeira.
Percebo que o objetivo da comédia seja atingir um único fim: fazer rir. Percebo também que muitas pessoas que vão ao cinema ver este género de filmes vão apenas com essa finalidade. Ainda assim, quem vai ao cinema vai para ter algo que não tem noutros lugares, tal como quem vai ao estádio ver um jogo de futebol (que se vê melhor na televisão) ou um concerto musical (que se ouve melhor nuns fones ou sistema de som) não vai apenas para ver um jogo ou ouvir música, mas sim para ter uma experiência especifica. No caso do cinema, as pessoas vão efetivamente para ver cinema, e isso deveria ser tomado em conta.