Do livro com o mesmo título do autor Scott Westerfeld surge Uglies, directamente para o top dos filmes mais vistos da semana da Netflix. Uma distopia que coloca a humanidade à beira da extinção, com uma única solução viável, uma cirurgia para tornar o ser humano perfeito, de fora para dentro, transformando-se num Pretty, que carimba o passaporte para viver na “Cidade”, onde só há luz e festa, sem preocupações.
Tally Youngblood (Joey King) e Peris (Chase Stokes) são melhores amigos e estão prestes a fazer 16, o que dá direito a uma cerimónia de transformação de Ugly para Pretty, algo que foram ensinados a desejar desde sempre. Peris é 3 meses mais velho e após a sua cirurgia passou a ignorar Tally, o que a fez aproximar-se de Shay (Brianne Tsu), que ao contrário da norma não pretende mudar-se para a cidade, mas sim para o “Smoke”, zona que se especula ser ocupada por humanos que se recusaram a transformar. No dia mais esperado por Tally, um ultimato feito por Dr. Cable (Laverne Cox), a pessoa por detrás da fórmula Pretty, adia a sua cirurgia e coloca-a numa encruzilhada que põe em risco a sua vida e a sua crença.
Se já conheces as sagas Divergente (2014-2016), Hunger Games (2012-2015), ou Maze Runner (2014-2018), então já conheces esta potencial saga ainda antes de a veres. A fórmula de distopia com adolescentes no centro da revolta e revolução não é propriamente nova nem vive os seus dias mais prolíficos. Uglies parte de um princípio actual, o de vivermos numa sociedade cada vez mais sedenta e viciada em estímulos que a façam escapar da realidade. Junta-se a isso o culto pelo estereótipo de beleza e a ideia ilusória de perfeição e de que a mesma é sinónima de felicidade. A razão para ter chegado a este extremo é o facto da humanidade ter atingido praticamente a sua extinção devido a sucessivas guerras. A solução encontrada passou por inventar uma versão científica desprovida de sentimentos, adormecida emocionalmente e esteticamente de encontro a todos os nossos desejos mais íntimos. Como seria de prever (porque o conflito tem de aparecer de algum lado para haver história) nem toda a gente concorda com esta ideologia que acaba por ser imposta a todos os jovens que completem 16 anos, não lhes dando opção de escolha. O modo como esse conflito é criado é algo rebuscado e peca por defeito na força com que nos tenta prender ao enredo. A previsibilidade dos acontecimentos, a ausência de uma razão verdadeiramente convincente para justificar um investimento tão avultado no filme e a escassez de momentos e/ou personagens carismáticas e com contribuição humorística, não ajudam para manter a nossa atenção até ao final.
Outro problema que podemos identificar com relativa facilidade é o casting do filme. Arriscaria dizer que quase todos os clientes da Netflix que optarem por ver Uglies rapidamente chegarão à conclusão de que há uma diferença muito pequena entre os uglies e os pretty, algo que nos desvia ainda mais o foco dos obstáculos que os protagonistas enfrentam. Joey King e Brianne Tju revelam-se bem acima dos restantes colegas, não que atinjam qualquer grau de excelência (não tinham guião para isso), mas ainda assim sentimos maior empatia com as suas personagens e transmitem mais emoções que todo o elenco junto. Numa história com uma vilã, alguém a quem não chegamos a conhecer ou reconhecer qualquer tipo de complexidade interna, nenhum dilema perante as suas decisões, seria de esperar e desejar que em contrapartida ostentasse características mais extravagantes que nos fizessem pelo menos apreciar a maldade quase que com sentimento de culpa. No entanto, tal não acontece. Pelo contrário, Dr. Cable é uma personagem bidimensional, desinteressante e que fala de forma monocórdica. Ou seja, há uma divisão clara entre bons e maus, poderosos e povo, superficiais e profundos, e além de não existir meio termo não chegamos a criar ligação com as personagens que representam o bem ao ponto de ser relevante o que lhes acontece, nem quem representa o mal tem em nós qualquer impacto significativo que mexa connosco.
Existem algumas pontas soltas que nunca chegam a ser explicadas, como por exemplo o paradeiro dos pais destes jovens, ou mesmo a última cena, que ou indica uma clara intenção de sequela ou uma péssima decisão quanto ao término do argumento. Se a ideia for mesmo fazer uma sequela, este funciona um pouco como aqueles filmes “Parte 1” de algo maior cujos motivos de interesse ficam todos guardados para a “Parte 2”. Numa história em que grande parte das personagens são um filtro de instagram, seriam necessárias conexões contrastantes com essa apatia para nos sentirmos cativados, porém todas as amizades ou pseudo-romances da Tally são também um reflexo dessa realidade virtual. São como que colocadas no microondas, até chegam a aquecer, mas ficam frias no meio, onde mais importava que aquecessem.
Houve um investimento forte e certamente bastante esforço para esta adaptação ganhar vida no ecrã, contudo não se prevê que a reacção, sobretudo dos fãs do livro, seja entusiasmante.