“You don’t face your fears, you ride them.”
Suceder Minari (2021), adorado pela crítica mas longe de ser um êxito de bilheteira, com Twisters, um blockbuster de larga escala cujo sucesso depende apenas do lucro que eventualmente irá trazer aos estúdios que o produzem, poderá não ser a decisão mais óbvia para Lee Isaac Chung, mas as razões são fáceis de explicar. O facto do realizador ter crescido no Arkansas, e de este ser um estado onde os tornados são também bastante comuns, contribuiu, e muito, para o seu fascínio por disaster movies. Há mesmo referências directas a tornados em Minari mas, segundo o próprio, foi durante as filmagens da cena de incêndio no celeiro, feita exclusivamente com efeitos práticos e no exterior, que percebeu o desejo de repetir essa sensação de grandiosidade só possível em grande escala.
Quando leu o argumento de Mark L. Smith, a partir de uma história de Joseph Kosinski, percebeu que seria este Twisters o seu próximo filme e que este tinha de ser rodado na “Tornado Alley”, localizada bem no centro dos EUA. Só aí conseguiria transmitir a sensação real do que é viver numa zona propícia à formação de tornados. Apesar de ser uma sequela de Twister (1996), não existe uma ligação directa entre ambos para além do poder destrutivo e imprevisível dos tornados. O filme centra-se em Kate Carter (Daisy Edgar-Jones) uma metereologista, especialista em tornados, que trabalha em Nova Iorque. Javi, um amigo, inicia uma nova empresa em Oklahoma para estudar tornados e pede para ela fazer parte da equipa. Para isso terá de enfrentar traumas do passado enquanto enfrenta o circo mediático moderno da internet dominada pelo cowboy dos tornados Tyler Owens (Glen Powell).
A principal preocupação de qualquer argumento é introduzir bem as suas personagens e o que as move. Num prólogo intenso sobre o passado de Kate (um dos melhores deste ano) descobrimos os traumas e a culpa que carrega. Criamos uma ligação imediata com a protagonista, não apenas pelo imenso talento que Daisy Edgar-Jones obviamente tem mas principalmente pela inteligência do argumento de iniciar em máxima rotação. Há depois espaço para abrandar e introduzir Tyler interpretado pelo actor do momento, Glen Powell, como o interesse amoroso de Kate. Há uma clara química entre ambos mas esta assenta quase exclusivamente na troca de provocações mútuas e num crescente sentimento de respeito entre ambos. Mas engane-se quem ache que não existe tensão sexual, por não haver toque físico entre os protagonistas. Existe ainda Anthony Ramos, como Javi, a criar um terceiro vértice neste triângulo amoroso e um conjunto de secundários de grande qualidade, inevitavelmente mal aproveitados e com poucas cenas, mas que conseguem criar uma interessante “guerra” entre facções opostas. De um lado os cientistas inexperientes mas bem financiados, liderados por Javi e do outro a geração Youtube, instintivos e experientes mas reféns dos fãs e do “espectáculo” para o financiamento, liderados por Tyler. É fácil perceber para que lado da balança o argumento puxa o espectador, mas a dinâmica criada consegue dar-nos mais motivos para nos importarmos com cada uma das personagens.
Existem algumas escolhas duvidosas como a escolha de um vilão capitalista, que nas entrelinhas se aproveita do sofrimento alheio, e ao qual dão cara mas se esquecem de dar diálogo ou mesmo um pingo de carisma. A isto alia-se a inexplicável decisão de referir múltiplas vezes que os tornados ocorrem com maior frequência e intensidade, e esquecerem-se de fazer qualquer referência ao aquecimento global. Coincidência? Não me parece.
A este último comentário não é alheio o facto da melhor decisão deste filme foi ter sido filmado em pleno “Tornado Alley” o que permite um menor uso de CGI, pois as formações nebulosas responsáveis pela génese de tornados já estavam muitas vezes no background de cada cena, e uma maior ênfase em efeitos práticos. As sequências de acção ganham espectacularidade com o avançar da história mas nem sempre o CGI consegue repetir a magia mostrada no prólogo. Existem algumas excepções, principalmente em algumas sequências inspiradas na tempestade final e num tornado gigante numa refinaria, mas acaba por se sentir o cansaço e a falta de ideias em algumas partes da história. Em termos de som, no entanto, só encontro elogios no modo como nos transporta para dentro de cada tempestade, na pletora de pormenores e sonoridades usados em diferentes situações e no sentimento de poder da mãe natureza como há muito não se ouvia nas salas de cinema. Não será grande surpresa vê-lo nomeado nas categorias respectivas nos principais prémios da indústria deste ano.
Unindo pura diversão, efeitos especiais práticos de qualidade, simplicidade na progressão dramática, dois protagonistas carismáticos, química transbordante e um elenco de secundários de excelência, Twisters consegue, na sua previsibilidade e celebração de estereótipos americanos, reanimar o verdadeiro blockbuster de verão de outros tempos. Apertem os cintos, agarrem-se às cadeiras e rejubilem: disaster movies assim não acontecem todos os dias.