“Maybe it’s just turtles all the way down.”
Realizado por Hannah Marks, Turtles All the Way Down é uma adaptação do livro homónimo do autor John Green, que muitos de nós somos capazes de conhecer pelos seus clássicos como The Fault in Our Stars e Paper Towns, também eles adaptados para o grande ecrã em 2014 e 2015, respetivamente. John Green teve um grande impacto no género literário Young Adult entre os anos 2010 e 2015, e fez vários adolescentes (eu inclusive), reentrarem no mundo da leitura com outro entusiasmo. Oportunamente, seja coincidência ou não, estreou em maio, Mês da Consciencialização da Saúde Mental.
Em Turtles All the Way Down, somos introduzidos à personagem Aza Holmes (interpretada por Isabela Merced), que sofre de um transtorno obsessivo-compulsivo que lhe causa ansiedade relativamente a bactérias. Este manifesta-se no receio constante que Aza tem em apanhar uma infeção letal, pelo que, de forma a manter algum controlo sobre isso, principalmente quando os seus pensamentos começam a espiralizar, mantém uma ferida aberta num dedo e está constantemente a desinfetar e a trocar de penso. Assim, o filme explora as dificuldades de viver com este tipo de pensamentos obsessivos constantes sem os conseguir parar, bem como as consequências que isso tem na vida social e romântica. Aborda ainda o tema da perda de um familiar e o consequente luto.
Aza é seguida por uma psiquiatra que lhe pede para que mantenha a medicação, mas Aza tem receio que ao fazê-lo, possa perder parte da sua identidade, dado que, por mais doloroso e exaustivo que seja viver com TOC, faz parte dela e sempre foi algo com que teve de lidar desde criança. Quando a própria psiquiatra tenta entrar em temas mais profundos relacionados com a perda familiar, Aza fecha-se, com medo de voltar a essas memórias e de poder piorar o seu estado mental.
A saúde mental é algo que tem sido cada vez mais abordado em séries e filmes, mas ou é demasiado romantizada (como acontece também nas redes sociais) ou é demonizada ao ponto de tornarem a doença mental como algo que vilaniza uma personagem. Aqui, as interações com os seus amigos Daisy e Mychal (interpretados por Cree e Maliq Johnson, respetivamente) e o possível interesse romântico trazem inicialmente algum conforto porque vemos a compreensão, a paciência e o respeito que têm pelas suas dificuldades. Ao contrário do clichê de alguns filmes Young Adult, em que o enredo passa muitas vezes pela personagem mentir sobre o que está a passar e só no fim é que assume e existe uma reação compassiva pelos seus amigos e família, aqui Aza é maioritariamente sincera desde o início sobre o que está a sentir e a pensar, e dá a conhecer a quem confia, a sua doença, o que nem sempre é vantajoso para ela, dado que os seus amigos – a longo prazo – acabam por interpretar como algo narcisista e auto-centrado da parte dela, pelo facto de não conseguir abstrair-se dos seus pensamentos obsessivo-compulsivos.
Turtles All the Way Down aborda a luta com uma doença mental de uma forma bastante realista, deixa a curiosidade para a leitura do livro (dado que os livros costumam ser mais descritivos). O filme sente-se sem dúvida como algo de John Green, mas ligeiramente mais maduro. As conversas dos amigos adolescentes são as mesmas mas com o acrescento de terem de lidar com alguém que foge fora da norma e as reações que isso provoca (que nem sempre são as melhores). Se compararmos, de certa forma, a personagem principal The Fault in Our Stars (uma rapariga adolescente com cancro) com a de Turtles All the Way Down (uma rapariga adolescente com TOC e ansiedade), parece que existe, pelas pessoas à volta, uma maior desculpabilização ou uma maior facilidade em lidar com alguém cuja doença seja mais “física”, do que quando está relacionado com a saúde mental, mesmo que tenha manifestações físicas.
Por essa razão, aquilo que aplaudo especificamente neste filme é a capacidade que a realizadora teve em conseguir expressar tão bem os pensamentos obsessivos do lado autocrítico de Aza que a assombram, os gatilhos que os despoletam e a frustração entre querer ser “normal” mas ao mesmo tempo o medo de deixar de ter todo aquele ruído constante na sua cabeça. O sentir-se fora de controlo de si própria, do seu corpo e de não compreender o porquê de ter esses pensamentos constantes e isso levar a uma espiral de culpabilização e de raiva para consigo própria. Destaca-se ainda, como sendo mais um dos aspetos positivos e intrigantes do filme, a procura filosófica e existencial que esta doença provoca na protagonista, e a forma como isso tanto se poderá revelar como gatilhos em certos momentos, porque tanto dão razão ao seu lado que não vê esperança em viver naquela doença tão intensamente, como ao mesmo tempo traz outras formas de pensamento que apostam mais na possibilidade de sermos mais do que aquilo que pensamos e de talvez conseguirmos ganhar algum controlo sobre a nossa mente. Lá porque temos pensamentos intrusivos, não quer dizer que os sejamos, nem que os tenhamos de concretizar. Contudo, era importante uma maior contextualização e mais background da personagem, nomeadamente de quando Aza começou a ter estes pensamentos, os sintomas e o desenvolvimento desta doença.
Pessoalmente, Turtles All the Way Down foi especialmente impactante por também me encontrar em processo terapêutico e me rever em algumas das dificuldades de Aza. Acredito que possa ser uma obra igualmente reconfortante para aqueles e aquelas que sofrem com a sua saúde mental e que por vezes sentem que não estão em controlo dos seus próprios corpos e da sua própria mente. Surge, assim, como um lembrete de apesar da jornada com a nossa saúde mental poder ser difícil e fazer questionar o porquê de estarmos aqui, torna-se ainda mais difícil se não aceitarmos ajuda e continuarmos a submetermo-nos a essa dor. Ter uma rede de apoio e profissionais ao nosso lado pode ser uma boa maneira de nos relembrarmos do nosso valor e de não nos sentirmos tão sozinhos nesse árduo caminho.