Turning Red (2022)

de Rafael Félix

So if you see me looking strange with a fresh style

I’m still not feeling that great” 

“Basketball Shoes”, Black Country, New Road

É estranhamente apropriado a forma como a poesia sobre ansiedade juvenil de Isaac Wood se encaixa tão bem nos temas de Turning Red, mas cá estamos.

Lamentavelmente largado na Disney + e sem oportunidade de agraciar o grande ecrã, o filme da estreante em longas-metragens, mas já com a curta Bao (2018) no seu currículo e vários créditos em outros filmes dos estúdios da Pixar, Domee Shi traz-nos Mei, na voz de Rosalie Chiang, uma rapariga cantonesa-canadiana de 13 anos que tem de lidar com todas as peripécias aliadas ao caos que é a puberdade, envolvendo grupos de melhores amigas, obsessões por boy bands, tensões familiares e ebulição hormonal, com um twist… qualquer emoção demasiado forte transforma-a imediatamente num panda-vermelho do tamanho de uma divisão doméstica. 

Mei tem uma personalidade e confiança que enche o ecrã e nos acompanha nos momentos iniciais de Turning Red. A animação é expressiva, gritante e colorida, e é decidida e autoconfiante como a sua personagem que sabe quem é e quem quer ser, aceitando suavemente a pressão que a sua mãe (V.O. Sandra Oh) lhe coloca e as tentativas de a moldar para quem ela deve ser – como ela própria diz “some of my moves, are also hers”. 

E então a história muda. O panda-vermelho em que Mei se transforma aquando da primeira menstruação torna-se um símbolo do caos que é ser adolescente em que tudo é uma explosão de emoções: de raiva por não poder assistir ao concerto de 4Town – com músicas escritas por Finneas e Billie Eilish –, de amor profundo por todas as suas amigas que partilham lágrimas, risos e se aceitam por aquilo que são; de descoberta sexual e tensão hormonal com a primeira crush; e de medo sufocante de não preencher as expectativas que a família coloca em cima de si. Turning Red capta na sua animação pintada de texturas, cores e padrões orientais que recorrentemente implodem em traços de anime quando tudo o mundo se torna demasiado frenético para Mei e na absolutamente contagiante banda sonora de Ludwig Goransson que mistura o tradicional com o futurismo, não só as dores de crescimento associadas à pré-adolescência mas principalmente as maravilhas e sensações que são as amizades infantis e a descoberta da sua verdadeira identidade – a sua, e não a que lhe é imposta. 

No entanto, Turning Red tem outros dois lados únicos que não vemos tantas vezes associado à Pixar, além de mostrar a adolescência como uma “sloppy emotional mess” e abraçar o facto da adolescência ser hormonal, instável e aterradora. O primeiro é o facto de encher o ecrã com um quadro rico em personagens de diferentes espaços culturais, sem tratar isto com o exotismo condescendente que não raras vezes as grandes produções se deixam cair, e em vez disso o tratar como um quadro normal e honesto da vida suburbana de Toronto, dando-se ainda à tarefa de se aprofundar ligeiramente na cultura cantonesa e na experiência que é ser um imigrante de segunda geração.

Em segundo, a viagem de Mei é também vista através dos olhos de uma mãe que é resultado do mesmo processo que tenta impor à sua filha, num retrato belíssimo sobre a ansiedade e imperfeição que está ligado ao papel de mãe, fugindo da imagem clássica da figura compreensiva, preparada e adulta em prol de uma imagem mais honesta, mais magoada e mais impreparada. Debruça-se sobre os perigos da hipervigilância dos pais, por mais bem-intencionada que seja, e da forma como lhes projetam os seus próprios sonhos, não como julgamento, mas com compreensão, mostrando que nem pais nem filhos têm obrigação, ou sequer a capacidade, de serem perfeitos e que uma boa parte de ser progenitor, é não saber minimamente o que se está a fazer.

Se as acusações que têm sido feitas a Turning Red sobre o facto de “sexualizar crianças”, “falar de menstruação sem um trigger warning” e “não condenar a rebelião contra as grilhetas impostas pelos pais” estão a aparecer em força, é exatamente porque o filme de Domee Shi está a fazer o seu trabalho. É um filme que fará muita gente sentir-se vista com uma compreensão e honestidade tal que se torna fácil perdoar alguns passos em falso no que toca à narrativa e ao próprio ritmo, pois garantidamente o coração está no sítio certo. É sobre identidade, é sobre ser mãe, é sobre ser adolescente e é sobre abraçar o erro e a imperfeição com a calma, a paciência e a coragem necessária para estar em paz com isso. É belo, e voltando a citar Isaac Wood: 

We’re all working on ourselves

And we’re praying that the rest don’t mind how much we’ve changed.

4.5/5
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Elemental (2023) - Fio Condutor 12 de Julho, 2023 - 07:03

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