Turbo Kid (2015)

de João Iria

“This is the future. This is the Year 1997.”

Através desta introdução, Turbo Kid marca definitivamente o seu ambiente cartoonish divertidamente funesto e um universo visualmente contido, todavia, criativamente vasto que recorda o apocalipse de Mad Max (1979), exceto que esta longa-metragem substitui os carros mortíferos por bicicletas BMX e o seu negrume temático por uma inocência macabra com a imaginação de um adolescente apaixonado pela cultura pop dos anos 80 e pela colorida atmosfera avistada nos desenhos animados, jogos e comic books desta época. Aliás as próprias ideias e conceitos artísticos explorados nesta década assinalam a sua presença nesta obra, como o combate pelo meio ambiente, a conquista tecnológica e a percepção binária da humanidade dividida entre heróis e vilões. Apesar de profundamente self aware, esta produção recusa-se a permitir que esta consciência danifique a sua genuinidade, usufruindo do vírus da nostalgia com um carinho particularmente charmoso; nunca irónico ou cínico, sempre com amor e uma sede sangrenta por violência absurda.

Baseado na curta-metragem T is for Turbo (2011), criada pelo trio de realizadores, Anouk Whissell, François Simard e Yoann-Karl Whissell, inicialmente produzida para a antologia The ABCs of Death (2012), Turbo Kid mantém a sua equipa de cineastas e o seu amor entusiástico pelo entretenimento deste período e expande a sua narrativa para um universo cinemático protagonizado por The Kid (Munro Chambers), um rapaz que sobrevive sozinho num mundo pós apocalíptico, reinado por um homem tirânico referido como Zeus (Michael Ironside), onde a procura por água domina a sua população. A sua rotina de capturar ratazanas nucleares e lixo aleatório perdido pelo deserto é recompensada com comic books sobre uma figura heroica intitulada de Turbo Rider e interrompida por uma misteriosa, destemida e amigável rapariga, Apple (Laurence Leboeuf), cujo sorriso permanente acompanha este jovem, inspirado pelas páginas do seu super herói predileto, no seu combate contra este sádico soberano.

Turbo Kid veste – literalmente – as suas influências como uma apaixonante armadura geek, prestando homenagem às suas inspirações nos seus diálogos, como The Karate Kid (1984); nos adereços, guarda-roupa e efeitos como a arma principal de Turbo Rider que recorda a Power Glove da Nintendo; os corações a piscar, representando o número de vidas de uma personagem, referenciam The Legend of Zelda; nos seus frames que atraem atenção a He-Man and the Masters of the Universe (1983-1985), nas cenas de perseguição que aludem a BMX Bandits (1983); e no exagerado gore absurdo que mistura comédia com o grotesco (sangue escorre como uma cascata pelo deserto e seres humanos desfazem-se naturalmente como pão), similar a diversas películas de horror género B, como Braindead (1992) – um momento particularmente hilariante, contudo asqueroso, envolve cadáveres retalhados, mesclados acidentalmente como um Transformer. Esta é uma obra que sobressai como uma manifestação cinemática da criatividade juvenil, funcionando simbolicamente como um filme formado num improviso delirante por um adolescente, fomentado pela cocaína infantil (cereais carregados de açúcar), após um domingo repleto de coloridas maravilhas artísticas, utilizando as suas paixões para produzir a sua própria história.

Perdido no tempo, Turbo Kid está claramente desinteressado numa análise introspectiva desta obsessão nostálgica atual, pretendendo apenas divertir-se na vanglória dos intensos ecos musicais provocados pelos sintetizadores – a sua banda sonora composta, surpreendentemente, pelo director de fotografia, Jean-Philippe Bernier –, dos seus efeitos práticos engenhosos que tomam pleno proveito do seu orçamento limitado – os seus visuais, ocasionalmente, parecem financiados exclusivamente por mil dólares e um sonho –, e entreter-se com o seu elenco carismático que interpreta personagens estereotipadamente encantadoras. Distante de intenções satíricas, esta história acaba inesperadamente por retratar um apocalipse cultural; os seus habitantes atraídos e movidos exclusivamente pela sua nostalgia num mundo que atingiu a sua finalidade precisamente nesta década. Inadvertidamente, Turbo Kid descreve o crescimento individual como um apocalipse estático onde as únicas memórias de felicidade preservadas são as da nossa infância, associadas à cultura pop desta época, sendo necessário aventurar pelo deserto para desvendar novas futuras lembranças. Ainda que seja um elemento obviamente involuntário, permanece um conceito fascinante, vivo neste filme.

Concebido como um midnight movie para ser descoberto às escondidas pela juventude; volume no mínimo para os pais permanecerem ignorantes das suas façanhas e olhos abertos deslumbrados pela sua violência disparatada e atmosfera de fantasia wish fulfillment, com um protagonista interessante mas vazio suficiente para o espectador colocar-se na sua posição e uma alegre e cativante companheira para ilustrar uma primeira paixão para esta audiência, esta longa-metragem é uma surpresa divertida que captura completamente o coração do seu público. Pelas suas entranhas, órgãos e fontes explosivas sangrentas, encontramos uma narrativa verdadeiramente doce, honesta e maravilhosa, que encapsula a aspiração infantil de emular os nossos heróis, pertencermos ao mundo destas figuras na animação, videojogos, comic books e no cinema, combatermos contra o mal e conquistarmos as nossas pessoas amadas. Turbo Kid compreende que encontrar um final feliz implica somente virar a página.

3.5/5
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