Train to Busan (2016)

de João Iria
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Desde que George A. Romero popularizou e desconstruiu o terror zombie com Night of the Living Dead (1968) que comentário social ficou imbuído neste como uma adição natural. Um resultado curioso tendo em conta que os antagonistas deste clássico são classificados como ghouls (espíritos) e na mente do realizador, nunca existiu qualquer intenção de usar mortos vivos. O termo foi assim redefinido no cinema, com uma nova seleção de regras e elementos associados ao género.  

Nos últimos anos temos visto este sistema em constantes alterações como forma de surpreender a audiência. O remake de Dawn of the Dead (2004) atribuiu redbull aos zombies a um extremo em que estes conseguiam alcançar o Usain Bolt. The Walking Dead (2010) transmitiu estes para a televisão e durante este período, os defuntos esfomeados reinaram. Entre os sucessos, é inevitável esquecer que a maioria destas histórias caiam mortas mesmo sem um tiro na cabeça, com exceção das várias comédias que mantiveram o batimento cardíaco a pulsar.   

Train to Busan (2016) pertence a um desses êxitos. O primeiro live action do realizador Sang-ho Yeon, numa espécie de sequela do seu filme de animação Seoul Station (2016). Seok-woo (Yoo Gong) é um pai divorciado que se dedica ao trabalho, como Gestor de Fundos, deixando a sua filha, Su-an (Su-an Kim) de parte, até no seu aniversário. O seu único desejo é visitar a sua mãe, em Busan, uma prenda que Seok-woo concede, involuntariamente. Durante a viagem de comboio, percebem que o caos se instalou pelo país inteiro e deparam-se presos num transporte em movimento, com um vírus perigoso a instalar-se rapidamente pelos passageiros.  

O melhor desta categoria tende a ocorrer em tempos de corrupção humana ou fragilidade. Em 2015, a Coreia do Sul lidava com a epidemia MERS e um descontentamento com a corrupção política e as vastas diferenças económicas. Assim, compreendemos a representação do governo em Train to Busan, onde um oficial assegura os cidadãos da segurança do país, enquanto cidades ardem em anarquia.  

Seguindo o exemplo dos clássicos, Sang-ho explora uma mensagem relevante para a atualidade, como o egoísmo social e a descriminação económica. Durante o progresso da história, encontramos momentos em que as personagens podiam ser salvas se optassem por ignorar os seus piores instintos. Alarmados pela entrada de um sem abrigo no comboio, contudo, descartando a jovem rapariga com veias prestes a explodir, semelhantes a um wrestler reformado.  

Train to Busan é uma narrativa derivativa de diferentes géneros e ideias exploradas noutros filmes com resultados mais provocativos. O comentário social é desprovido da subtileza ou a farsa cómica a que muitos outros realizadores Sul-Coreanos nos habituaram e não acrescenta um conceito novo. O seu sucesso provém de saber como caracterizar esta história de uma maneira que se sente original, ainda que não seja. Providenciando uma imagem repetida e intensificando esta até pertinência.  

Infetado com uma realização repleta de energia frenética e um ritmo que, desde a sua primeira dentada até ao último suspiro, segue o exemplo destes mortos vivos e aumenta a velocidade, limitando as pausas para somente o necessário, esta nova entrada numa lista infindável de filmes sobre zombies, captura o essencial destes enredos ao favorecer a nossa ligação com as personagens.

A realização cuidadosa carrega o suspense com um excelente build up até o grande momento revelado em planos que salientam o terror da situação e dos seus vilões de olhos brancos, aproveitando ao absoluto os cenários limitados sem alguma vez descer na sua intensidade ou perder a emoção. Uma coreografia de ação impecável que nos deixa absorvidos pelo filme, ignorando os seus lapsos lógicos como a rápida evolução de pessoas comuns para incríveis lutadores de mortos vivos em esteróides.  

background em animação do realizador funciona como uma dádiva e ao mesmo tempo prejudica a impetuosidade deste. O CGI aproxima-se dos grandes e deslumbra tanto quanto contamina instantes pavorosos com efeitos semelhantes a um cartoon, em que faltava apenas inserir um efeito sonoro de bowling. Uma visão habituada aos exageros visuais e à suspensão de descrença habita agora um mundo em que devia existir visão periférica e apesar da sua eficácia em criar terror, o terceiro ato é disruptivo momentaneamente por uma overdose de drama que evaporou as minhas lágrimas num suspiro desapontado. Felizmente, a sua execução engenhosa de storytelling mantém-se acima destas desvantagens e o final permanece completamente satisfatório. 

Quando um género revela a sua debilidade, o foco principal caminha pela maneira de reinventar este ao alterar as regras para manter o elemento de surpresa vivo nas audiências, priorizando o medo e esquecendo que o mais importante não são os zombies, mas os humanos. Night of the Living Dead permanece um clássico embora ninguém grite com medo pelas suas imagens, pois o que perdura na memória são os protagonistas trágicos e a relevância dos seus temas. O remake de Dawn of the Dead reinventou as criaturas, todavia, quem se recorda do resto?Train to Busan compreende a natureza deste cinema. Uma história sobre sacrifício em benefício dos outros, familiares ou desconhecidos, onde nos importamos com as personagens, mesmo não sendo exploradas com maior afinidade. Existe a consciência que estes enredos descarrilam em esquecimento se não houver emoção ou temas fundamentais a pontificar. Nenhuma sociedade opera sem colaboração ou sacrifício e nenhum filme de zombies funciona sem personagens que queiramos proteger.

4/5
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