Em alta no início do filme, Jeanne (Blanche Gardin) é a nova esperança do mundo da tecnologia e da ecologia. Com uma invenção revolucionária na recolha de microplásticos nos oceanos, cada vez mais poluídos, surge como candidata a mulher do ano até que, tudo corre mal. Com o apoio incansável do irmão Simon (Maxence Tual) consegue manter-se “à tona” do controlo sobre a sua vida e do retorno a uma normalidade, que anseia mas não procura.
Surge, então, um “balão de oxigénio” na forma de uma casa em pleno centro de Lisboa, que Jeanne espera vender para pagar as suas dívidas e trazer algum controlo de volta à sua vida. A casa pertencia à sua mãe, que viveu muitos anos em Lisboa e da qual guarda recordações especiais do tempo partilhado no passado. Mais do que uma viagem de negócios, é um processo de redescoberta da sua relação com a mãe e de encontrar paz para o que a atormenta. Mas não está sozinha na “sua viagem” com o aparecimento de uma antiga paixão, Vitor (Nuno Lopes), e de um antigo colega de escola, Jean (Laurent Lafitte), um homem inconsciente do quão intrusivo é.
Céline Devaux conta a história de Jeanne intercalando imagem real e a animação dos pensamentos, medos e esperanças com uma personagem fictícia sem nome. Actua como a voz da sua consciência e é também a sua maior crítica e apoiante, anjo e diabo na mesma personagem. Os melhores momento de humor do filme surgem com os seus cantos, mantras e palavras duras que nunca se coíbe de dizer. As suas constantes idas e vindas da narrativa acabam por impactar o ritmo do filme nem sempre de modo positivo. O que ao início parece uma ideia refrescante e inovadora, acaba por se tornar cansativa e retirar a atenção de Jeanne, a personagem principal.
Blanche Gardin cria uma personagem complexa, confiante no sucesso e derrotada pela vida, no espaço de algumas cenas. Está em constante luta interna e prestes a perder o controlo a cada conversa, olhar ou pensamento. A “sombra” da mãe está sempre presente e leva Jeanne a perder o controlo das emoções. É nos momentos que perde esse controlo que o filme tem os melhores momentos, mas logo cai nas mesmas armadilhas com o uso do humor para aliviar o sofrimento e retirar impacto às emoções. Laurent Lafitte é o comic relief e dá a Jean uma inocência e leveza única pois consegue fazer as coisas mais inconvenientes e criminosas sem deixar de parecer um “bom partido”. O charme de Laurent disfarça algumas incongruências do argumento mas não consegue mostrar o seu personagem Jean para além de um ser unidimensional. O mesmo acontece com Nuno Lopes e Maxence Tual, aos quais é dado um pequeno enquadramento da sua história e que entram na narrativa apenas para “entreter” Jeanne a encontrar o seu caminho, sem que as suas acções os afectem de alguma maneira. Ninguém se chateia ou se irrita com as suas mudanças de humor, com as suas decisões erráticas ou com os seus sinais claros de depressão. Tudo é perdoado/ignorado quando amamos Jeanne?
Visualmente parece que nem em Lisboa estamos, com os interiores de casa, supermercados, aviões a evitar mostrar a beleza e a luz da cidade e quando saí “à rua” (muito raramente) é em locais anónimos e sem personalidade de uma Lisboa que é icónica em qualquer rua. Existem excepções com imagens bonitas no porto de Lisboa, mas mesmo estas surgem sem contexto ou relevância para a história.
Tout le Monde Aime Jeanne (em português, Toda a Gente Gosta de Jeanne) é uma comédia leve e despreocupada com uma ideia original na construção da narrativa, mas que se perde na repetição constante dos pensamentos/mantras de um alter ego animado de Jeanne e se esquece da personagem de carne e osso. Há vislumbres bonitos do que Céline Devaux pretendia nas cenas em que Jeanne perde o controlo das emoções, mas tudo logo se esfuma para mais uma risada inconsequente ou comentário inconveniente. Ideal para ver, rir e esquecer logo a seguir.