A velha necessidade de velocidade
Existe uma expressão que remete à era de ouro de Hollywood de décadas passadas: going to the movies. É muito intrínseca da cultura americana e traz aquela sensação nostálgica de ir às salas de cinema com amigos e família ao fim de semana, com bastante entusiasmo, para não perder os grandes eventos que eram os filmes. Por várias razões – a maioria sendo a esmagadora quantidade de oferta que temos hoje em dia – essa mentalidade foi-se dissipando ao longo dos anos e já não se sente da mesma forma. Felizmente, Top Gun: Maverick veio trazer de volta essa ideia.
Esta sequela – 36 anos após o original e com 2 anos de adiamentos – traz-nos o mítico Pete Mitchell, nome de código Maverick, muito mais envelhecido e em sintonia com o próprio Tom Cruise que o representa. Maverick, agora um piloto de testes que se recusa a progredir na carreira militar, é chamado à escola Top Gun onde se formou, mas desta vez como instrutor. Tem como tarefa instruir os mais novos e fugazes pilotos da Marinha para uma missão de extremo perigo, mas confronta-se com a missão interna e pessoal de enfrentar um deles na figura de Rooster (Miles Teller), o filho do seu grande amigo Goose (Anthony Edwards), cuja morte Maverick ainda se culpa nos dias de hoje.
Se alguém assistisse este filme sem saber se estava perante o original ou a sequela, seria perdoado pela confusão ao deparar-se com uma introdução similar. Abrindo com o já icónico sino e melodia de guitarra do tema principal de 1986, somos presenteados com o mesmo texto e até o mesmo tipo de letra que o original, seguidos de uma recriação quase que plano-a-plano dos caças militares a serem operados no porta-aviões, banhados ao pôr-do-sol, tal como no primeiro filme.
A longa-metragem que se segue mantém muitos elementos visuais, sonoros e ambientais do seu precedente, mas pincelado com todas as melhorias tecnológicas e até narrativas que os tempos modernos conseguem oferecer. A melhor personificação desta ideia está na canção original do filme composta e interpretada por Lady Gaga, intitulada “Hold My Hand”. Será um crime se esta música não estiver nomeada para o Oscar: é romântica e melodramática mas nostálgica e remetente a tempos que nos fazem sonhar. É o perfeito acompanhamento a um filme cuja filosofia se rege pelos mesmos parâmetros: entretenimento puro e bem ciente de si mesmo, prestando homenagem aos clássicos mas criando a sua própria identidade a partir daí.
A fotografia deste filme é lindíssima, misturando cores e iluminação dramática do clássico dos anos 80 com a estética da Hollywood contemporânea. Mas não é uma Hollywood contemporânea qualquer. Nota-se a mentalidade que Tom Cruise e a sua equipa aplicam nos filmes de Mission Impossible: ação real, sempre. Há muitos poucos momentos de CGI, principalmente para um filme de ação com jatos militares. Desde os modernos F-35 e F/A-18 Super Hornets, ao clássico P-15 da segunda guerra mundial (propriedade do próprio Tom Cruise), passando por um protótipo hipersónico criado para o filme e o veterano F-14 Tomcat presente no filme original, todos os aviões são reais e foram filmados da forma mais real possível. Aliás, a única coisa que não aconteceu foi o próprio Tom Cruise (que possui licença para voar) pilotar um caça da Marinha, visto que obteve negação por parte dos mesmos que não queriam arriscar maquinaria de 70 milhões de dólares nas mãos de alguém que não um piloto altamente treinado. No entanto, todos os atores fizeram treino militar para poderem aguentar as forças-G presentes nestas balas esvoaçantes. As filmagens dentro dos cockpits dos caças foram concebidas com lentes especiais, de pequeno porte mas que filmam em qualidade IMAX. Desta forma, não há que enganar quando a luz do sol ilumina o rosto de um dos atores, bem como o cenário que o rodeia. Seria impossível ter esta qualidade tão realista e fidedigna, bem como a intensidade de cenas que nos deixam no limite da pulsação sanguínea, se recorressem ao uso de ecrãs verdes.
Tom Cruise é completamente louco, para o bem (do nosso entretenimento) ou para o mal, mas o homem sabe o que faz. Dedica-se fisicamente – e com uma idade já avançada – a conjurar os momentos de ação mais reais que Hollywood consegue oferecer e ainda arrasta, tanto o resto do elenco como a equipa de produção, atrás dele para estes atos corajosos. Além disso, consegue trazer de volta o seu Maverick numa boa receita da rebeldia infantil da sua personagem, mas desta vez claramente mais velho e maduro, mais ponderado nas suas decisões e consequências. O resto do elenco entra muito bem no ambiente, com uma sensação de diversão entre todos, o que se traduz para o espetador. Todos os jovens pilotos entregam o seu respetivo estereótipo, incluindo o membro feminino, mas sem se tornar nada tóxico ou irritante. O destaque, claro está, vai para Miles Teller, que consegue claramente parecer filho de Goose e trazer tanto essa energia do pai como o peso do que aconteceu no passado e enfrentar emocionalmente Maverick. Acrescenta-se ainda uma menção para um cameo especial num bonito momento que homenageia uma das personagens mais icónicas do primeiro filme.
É, sem dúvida alguma, um filme com muito coração e espírito de aventura. É bastante previsível na sua estrutura clássica, mas quase fresco por essa estrutura estar tão esquecida. Merece essa previsibilidade por ser tão autoconsciente e livre de si mesmo. Não tenta ser profundo, nem demasiado sério, nem ser mais do que aquilo que sabe que é, um blockbuster. Ainda tem um pouco – se bem que muito menos que o seu antecessor – de propaganda patriotista, mas não chega a glorificar a guerra porque nem sequer deixa que o ambiente pareça guerra. Parece mais um filme de desporto, sobre competição e limites humanos, de rapazes com os seus brinquedos, mas que agora partilham com algumas raparigas. É um filme muito mais preocupado em vivenciar uma década passada, e mais anos 80 que isto é difícil – existe uma recriação da famosa cena de desporto na praia, em tronco nu, mas desta vez com futebol americano em vez de voleibol, numa amálgama de incríveis espécimes do físico humano. Até o elo amoroso, interpretado por Jennifer Connelly, mostra-se quase desnecessário mas é facilmente aceite para manter aquele melodrama clássico e não estragar essa magia. Pode-se dizer apenas que se sente a falta do elemento Goose e do seu impecável timing humorístico. No entanto o humor daqui mantém-se fresco e bem-vindo, sem abusar na sua estadia nem se tornar cringe como tem sido costume em Hollywood por estes dias.
Se estão à procura de um filme para justificar a ida ao cinema e fazer esquecer tudo e todos durante 2 horas, então não vale a pena procurar mais longe. É, sem dúvida, o melhor blockbuster desde Mission Impossible: Fallout (2018). Esta é uma clássica experiência daquele cinema comercial que nos fez apaixonar por Hollywood e as suas belíssimas ilusões. Foi feito para ser visto numa sala de cinema e é dos mais fortes candidatos a responder à questão “Quem salvará o cinema?”. O melhor entretenimento feito atualmente está aqui e se isto não leva pessoas às salas, não sei o que levará.
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