Alvo de uma peculiar campanha tardia para levar Andrea Riseborough aos Óscares, To Leslie, realizado por Michael Morris, que anteriormente apenas tinha créditos em televisão com realização de alguns episódios de Better Call Saul (2015-2022) e Bloodline (2015-2017), onde conheceu a sua atriz principal, através de um guião escrito por Ryan Binaco, filho da mulher que inspira a história de Leslie, segue uma antiga vencedora da lotaria que, seis anos depois, se vê sem um teto sobre a cabeça, um grave problema de alcoolismo e um filho que ainda lida com o facto de ter sido abandonado com 13 anos.
À saída dos créditos iniciais, Leslie aparece num canal de televisão local, cheque de cartão gigante nos braços, a uivar em êxtase. Perguntam-lhe: “o que vai fazer com 190.000$”. A resposta é sincera, inocente e de olhos na câmara: “ter uma vida melhor”. Cortamos para alguns anos depois. Um quarto sujo, o cabelo despenteado, as malas à porta, súplica por uns dólares e gritos de cólera. To Leslie começa e segue também por caminhos familiares, mas com mais retenção do que o habitual.
Vemos Riseborough arrastar-se de pernas bambas, de situação em situação, com uma confiança sem origem clara, se o álcool se o desinteresse pelo bem-estar alheio, mas que a torna uma personagem tóxica e sem saídas fáceis. O guião de Binaco lembra-se que tem em mãos uma mulher que perdeu tudo, por inocência ou irresponsabilidade, no entanto, nunca trata Leslie como uma vítima do destino. To Leslie permite que esta mulher tenha agência suficiente para ser responsável pelas suas próprias más decisões, e mesmo quando rodeada de um mundo que lhe continua a atirar oportunidades, seja pela mão de um filho que não consegue resistir à chamada de uma mãe desesperada; seja pela pureza de coração de um estranho que lhe oferece trabalho – numa aparição muito agradável de Marc Maron –, o filme de Morris não está interessado em dar-lhe uma saída fácil ou respostas simples para problemas complexos. Tudo isto amplificado pelo facto de Leslie manter-se uma mulher, aparentemente, sem vontade de falar sobre este cemitério de conexões falhadas, de amigos e familiares, vivendo numa bolha de silêncio e meias respostas quando o filme tenta procurar o que correu mal ao longo do caminho.
Trata o alcoolismo da sua personagem principal com responsabilidade, sem paternalismos ou romantização e fica longe de dizer que Leslie seria uma pessoa melhor se não fosse a sua doença, preferindo deixar no ar a ideia que este é apenas um obstáculo para um futuro que dificilmente trará tudo o que o passado lhe tirou.
To Leslie é claramente um veículo carregado por uma performance brilhante de Riseborough que apesar de estar rodeada de bons atores e de uma realização sólida de Michael Morris, que algumas vezes arrisca cair na repetição, mas que soube quase sempre mostrar contenção no que escolhia mostrar, nunca consegue desprender-se totalmente dos arquétipos de histórias sobre underdog, vício e redenção. Com isto, é também redutor dizer que To Leslie apenas funciona devido a Riseborough: esta habita uma personagem a quem foi permitido ser imperfeita, nunca uma vítima. Gira à volta de uma mulher a quem a lotaria apagou o passado e o futuro e que vive agora presa num presente que tanto rejeita como é rejeitada por ele, procurando, algures, numa pessoa ou numa garrafa, alguma forma de fazer o relógio, finalmente, avançar.