Till (2022)

de Francisca Tinoco

Dentro do género do drama biográfico, particularmente sobre questões de direitos civis nos Estados Unidos da América, Till destaca-se pela exploração da dor, da culpa, e da responsabilidade por detrás das personalidades que a história imortalizou.

A realizadora nigero-americana Chinonye Chukwu realiza esta dramatização dos eventos decorridos em Money, no Mississippi, em 1955, em que Emmett Till (Jalyn Hall), um rapaz negro de 14 anos, foi raptado, torturado e morto pela família de uma mulher que Till tentara cortejar. A grande protagonista deste filme é Mamie Till, a mãe de Emmet, brilhantemente interpretada por Danielle Deadwyler. A escolha do título do filme é deliberada e inteligente, permitindo, com o isolamento do apelido de família, nomear tanto o filho como a mãe que, nesta história, se entrelaçam e fundem por completo.

Tonal e visualmente, Till não se atreve a divergir da fórmula, ainda que com algumas exceções. Chukwu faz um excelente trabalho na exteriorização do pavor, tão próprio de uma mãe, que consome Mamie quando Emmet – que nasceu e foi criado toda a sua vida numa Chicago relativamente progressista nas relações raciais – decide ir visitar os seus primos àquele que é apelidado do “mais sulista lugar na Terra.” Recorrendo aos instrumentos, tão próprios do cinema, da captura de imagem e da edição de som, a realizadora cria uma representação visual de um sentimento inteiramente interior à personagem, que o esconde para benefício do seu filho.

Esses primeiros laivos estilísticos antecipam um tema constante na restante duração de Till. E ainda bem. Chukwu é apaixonada pelas feições de Deadwyler e, repetidamente, deixa a câmara repousar sobre a atriz, que navega uma amplitude gigante de sentimentos, e os exprime de forma sublime nas suas feições carregadas de raiva, mas também de um amor desmedido por Emmet. Esta quase intrusão no âmago de Mamie oferece uma dimensão comparável ao estudo de personagem neste drama biográfico, elevando-o em relação a outros filmes do género.

Contudo, Chukwu não se cinge à sua personagem principal – também outros elementos do elenco apresentam uma considerável complexidade emocional. De destacar, a discreta, mas poderosíssima, contribuição de Myrlie Evers, a ativista e esposa de Medgar Evers, interpretada por Jayme Lawson, que, no fundo de todas as cenas, observa e admira Mamie, até ter coragem de a abordar e com ela partilhar os seus medos e ansiedades, numa cena que se torna esmagadora quando se conhece os acontecimentos reais que lhe sucedem. A Myrlie junta-se a personagem do tio-avô de Emmet, Moses Wright, que durante todo o filme lida com a culpa de não ter impedido o rapto do sobrinho. A forma como Chukwu navega a impossibilidade da situação com que Moses se deparou naquela noite fatídica é de uma generosidade fortíssima.

Alguns momentos menos felizes no que respeita os efeitos visuais, ou cenas com um caráter sentimentalista prejudicial, acabam por empurrar Till para um patamar mais genérico, ainda que a intenção de aprofundar os seres humanos por detrás da luta seja mais que evidente ao longo de todo o filme.

Em Till é concebida uma homenagem comovente – tanto mais poderosa quanto mais humana – a Mamie Elizabeth Till-Mobley que, na sua inabalável luta por trazer justiça a Emmet Till, conseguiu mudar o mundo.

3.5/5
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