Three Thousand Years of Longing (2022)

de Rafael Félix

É um sinal dos tempos que vivemos – desligados, apáticos e um tanto ou quanto cínicos – que se tenham multiplicado as histórias que, de uma forma ou de outra, são construídas ao redor da necessidade humana de se ligar ao outro, de comunicar e de amar, seja de que forma for, quase num desespero de nos relembrar que somos, lá está, humanos.

George Miller agarra nessas necessidades – da conexão e da história – e dá-nos o conto de fadas maravilhoso de Alithea (Tilda Swinton), uma intelectual solitária, mas, segundo ela, satisfeita com a vida, que, aquando de uma passagem em Istambul, adquire, por partida do destino, uma garrafa especial. Essa garrafa contém um génio (Idris Elba), que concede três desejos a uma mulher que insiste que tem tudo aquilo que precisa. Assim, o génio conta-lhe as histórias dos seus últimos 3000 anos de existência – contos de amores e desamores, reis e rainhas, magia e sexo, guerra e paz – tentando convencê-la que, no seu coração, tem de haver algo que ela deseje.

Sendo ela uma especialista em narrativas, conhece bem o fim trágico que espera a qualquer personagem que alguma vez tenha passado pela sua posição, Alithea resiste às insistências do génio para lhe conceder aquilo que o seu coração quiser. Para lhe provar a sua honestidade, este salta então de fábula em fábula – passando por histórias com a Rainha Sheba ou o Sultão Murad IV – e que Miller constrói com cenários e guarda-roupas que têm autenticidade suficiente para estabelecerem a era e o local onde se passam – seja esse Londres ou Constantinopla –, sem perder o lado folclórico destas epopeias, permitindo que os reinos descritos se assemelhem mais a domínios sonhados em vez de recordados. Com esta sequência de contos, a estrutura de Three Thousand Years of Longing assume-se parcialmente episódica no seu início, entrando num parcial desequilíbrio com uma segunda fase em que o filme abraça uma organização mais clássica. Dito isto, é um problema fácil de ultrapassar quando se pesa o brilhantismo daquilo que Miller nos oferece.

Three Thousand Years of Longing é um filme cheio de cor, imaginação e magia sobre o poder da história e a utilidade que os contos de fadas têm num mundo cada vez mais racional. O poder de uma história é o poder de um refúgio e é o poder de um sonho, e é através dele que moldamos a realidade à nossa volta e o filme de Miller materializa isso mesmo, misturando a realidade com a fantasia num remoinho que no seu centro tem o florescimento do amor, ou, melhor ainda, o abrir do coração à vulnerabilidade que é deixar-se ser amado.

É um filme descaradamente sentimental e só é melhor por isso. Ver alguém lentamente construir uma história de amor sob o eco de um sem fim de histórias de amor que cruzam a eternidade, é de uma beleza e de um charme contagiante. Eleva-se depois com a capacidade de entrelaçar essa paixão, com o sentimento que a fantasia, a narrativa e o conto de fadas são a forma de comunicação mais pura e da qual necessitamos cada vez mais nas nossas vidas cheias de lógica e números, e tão deficientes em encanto e deslumbramento.

E o quão bom é ver um filme sobre o amor tão irremediavelmente apaixonado que o conforto que instala é capaz de pregar sorrisos nos mais cínicos – tal como aconteceu com Alithea, numa performance, brilhante como costume, de Swinton. Apesar de não ser o filme mais acessível a um público geral, dada as suas peculiaridades narrativas e estilo desavergonhadamente berrante e psicadélico, tem uma história de amor e confiança tão bela no seu âmago que merece de todos uma oportunidade. Three Thousand Years of Longing sente-se único, formalmente também, mas principalmente pela sua coragem de ser enternecedor e otimista para com a capacidade do ser humano de se ligar ao próximo. Nos dias que correm, esse otimismo é bem-vindo.

4/5
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