“É importante, para mim, induzir esperança nesta história. Quando a minha mulher leu a sinopse de 30 páginas, ela chorou. Foi durante uma temporada difícil nas nossas vidas. Tinha perdido a minha filha. Ela disse-me: ‘Thomas, talvez devias deixar entrar alguma esperança na tua história e possivelmente na tua vida também.’. Então, eu tentei. A forma mais fácil de tentar era através da juventude. Deixar os jovens carregarem as chamas da esperança.”
– Thomas Vinterberg
Esperança na juventude é o conceito que vivifica o novo projecto de Thomas Vinterberg, Families Like Ours (Familier Som Vores, 2024), uma série ambiciosa sobre um futuro no qual a Dinamarca enfrenta uma evacuação total da população, provocada pela subida do nível das águas. Neste cenário, conhecemos Laura (Amaryllis April August), uma estudante de liceu que está apaixonada pela primeira vez e que está prestes a terminar o secundário. Quando surge a notícia da evacuação, o rumo da vida de Laura e da sua família muda para sempre e Laura vê-se forçada a enfrentar o dilema impossível de escolher entre as três pessoas que mais ama.
Após a sua estreia mundial no Festival de Veneza e a sua passagem por festivais como TIFF e BIF London Film Festival, um aspecto surpreendente sendo incomum a visualização de séries em festivais de cinema, o realizador responsável por longas-metragens como The Hunt (Jagten, 2012) e Another Round (Druk, 2020) marcou presença na 18ª edição do Leffest – Lisboa Film Festival para apresentar a antestreia nacional desta obra, em colaboração com os canais TVCine. Em antecipação da sua exibição, o Fio Condutor foi convidado a participar numa conferência de imprensa com Thomas Vinterberg e descobrir mais sobre esta sua nova criação, que assinala a sua estreia na televisão.
Families Like Ours iniciou a sua viagem há cerca de 7 anos. Inicialmente era considerada uma ideia louca e futurista, completamente separada da nossa existência. Actualmente, esta sinopse aproxima-se assustadoramente da nossa realidade, um facto avistado nas enchentes de Valência, como em presentes previsões para o futuro da Dinamarca, o país de Vinterberg. A sua intenção desviava-se das típicas disaster stories priorizando as emoções humanas, no drama existencial, particularmente a divisão moral que ocorre durante eventos trágicos. Divisão é um elemento que se prolonga pelos episódios, arrastando inteiramente as suas personagens para o desespero e a solidão. Natural para um artista que trabalha ocasionalmente distante de casa e da sua família. Aliás, as saudades das suas filhas fomentaram esta história. Sozinho na França, a sentir-se como um desconhecido, Vinterberg reflectiu nas preocupações das suas filhas acerca do mundo e na responsabilidade que carregam pelo futuro da humanidade. Eventualmente, estas suas inquietações cresceram além da sétima arte, expandindo o enredo para diversos capítulos.
“Antigamente, era o medo da natureza. Agora, o medo está no que fizemos à natureza.”
Apesar desta ser a sua primeira narrativa televisiva, a vontade de entrar neste meio de entretenimento permanecia consigo desde a sua longa-metragem Festen (1998), motivado pelo desejo de continuar a trabalhar com a sua equipa e de continuar a desenvolver as suas personagens e construir as suas vidas além de um filme. Um sentido de comunidade que perdura consigo desde a sua infância, alojado numa comuna e rodeado por festas, álcool e genitais. Consciente da presente sobressaturação deste formato, com o domínio dos serviços de streaming, Vinterberg simplesmente sentiu que esta narrativa era demasiado volumosa para o cinema, que era essencial ser a saga de uma família.
O formato de storytelling é diferente mas o processo foi basicamente semelhante às suas produções anteriores, excepto que, obviamente, mais longo e cansativo. A rotina matinal de ioga foi substituída por uma cerveja, retratando as suas dificuldades neste ambiente duradouro e uma necessidade de mudança na direção durante a própria criação. O receio de “se afogar”, uma consequência comum em todos os seus projectos, compeliu Thomas Vinterberg e o seu operador de câmara a reformular a segunda fase das filmagens, cortando componentes dos argumentos para obterem um método mais calmo e focado. Esta alteração permitiu o realizador “entrar na zona”, esquecer os seus medos, esquecer a sua pessoa e finalmente existir dentro deste espaço criativo.
Anos depois, diante a apresentação da sua série finalizada, as suas preocupações regressam, atormentado pela insuficiência que a juventude sente, que todos sentem, que impede as pessoas de empregar uma verdadeira transformação no mundo. “Sentirmo-nos insuficientes não ajuda em nada. Apenas acaba por criar ignorância. Se ignorarmos a crise, ela não existe. É necessário um trauma internacional para mudar os hábitos das pessoas.” São questões existenciais que assombram Thomas Vinterberg, ironicamente inspirando também o criador a criar: quem somos durante uma crise? Somos capazes de arruinar vidas alheias pela nossa preservação? E é precisamente este fascínio pela fragilidade humana que o impele a escrever por cima das suas ansiedades.
“Quando as crises terminam, a empatia regressa imediatamente. Somos criaturas naturalmente empáticas.”
Desde as origens do movimento Dogme 95′, que co-criou com o cineasta Lars Von Trier, cujo objectivo era despir o cinema de pretensões e democratizar esta expressão artística, que Vinterberg demonstra os seus interesses fundamentais. Aflições sobre famílias, comunidades divididas e um impulso em criar situações e personagens que ficam connosco. Para o realizador, este movimento perdeu rapidamente a sua chama quando passou a ser uma marca, um estilo, quando passou a ser um convite automático para festivais de cinema. O propósito era ser uma revolta, um risco com a capacidade de arruinar carreiras. “Onde está a nova revolução?”, questiona Vinterberg, respondendo imediatamente à sua pergunta. “Ninguém sabe o caminho actual do cinema ou da televisão.” As pessoas sentem medo de arriscar quando nada parece seguro. É um receio que nos coloca numa posição de cuidado.
Uma comparação silenciosa paira pelos meus pensamentos ao ouvir estas palavras do artista. Medos que congelam a humanidade. As revoltas são palavras online, sejam cinemáticas ou sociais. É uma realidade demasiado frágil para ousadia. Neste sentido, é lógico que Families Like Ours está construído como uma história para as suas filhas. Afinal, o coração desta série reside na sua protagonista, Laura, uma jovem “colocada no meio de um conflito moral, entre uma escolha narcisista e uma escolha generosa”. Na sua personagem é reconhecida uma aspiração benevolente na juventude, sendo esta a única realmente capaz de mudar o mundo. “Mas é difícil.”
Thomas Vinterberg menciona que não existem motivos para ser optimista mas, apesar de tudo, como a série que apresenta, permanece optimista. Possivelmente é uma vertente que evoluiu consigo na comuna, onde encontrou uma vida de solidariedade. Está presente dentro das suas histórias como atrás das câmaras, na forma como encara a sua equipa de filmagens. Em Families Like Ours, face à divisão e ao egoísmo, a sua protagonista luta para preservar a sua conexão física e emocional com as pessoas que ama, para manter a sua família unida, para conservar a sua comunidade. Recordo uma frase que perdura na minha mente dias depois da conferência de imprensa, que resume perfeitamente a visão de Thomas Vinterberg nesta sua nova história.
“Não consigo imaginar-nos a deixar tudo desaparecer.”
Families Like Ours estreia em exclusivo no TVCine Edition e no TVCine+, sendo o primeiro episódio exibido no dia 19 de Novembro, Terça-Feira, às 22h10. Em antecipação a esta série, os Canais TVCine apresentam também um especial O Cinema de Vinterberg, com uma maratona de quatro títulos essenciais da obra do realizador: A Festa (1998), Submarino (2010), A Comuna (2016) e Mais uma Rodada (2020). O especial decorre Sábado, dia 16 de Novembro, a partir das 16h45, no TVCine Edition.