Wes Anderson regressa, pouco depois de Asteroid City (2023), com uma série de curtas-metragens baseadas no trabalho do aclamado autor britânico Roald Dahl, mais conhecido talvez por Charlie and the Chocolate Factory. Depois de Fantastic Mr. Fox em 2009, Anderson adapta The Swan, The Rat Catcher, Poison, e The Wonderful Story of Henry Sugar. Sendo esta última a mais longa das quatro curtas, com quase 40 minutos de duração.
Henry Sugar (Benedict Cumberbatch) é um bon vivant londrino, com o vício do jogo, que descobre um livro sobre a história de Imdad Khan (Ben Kingsley), um homem que aprendeu, através da meditação, a ver sem usar os olhos. Inspirado, Henry decide fazer o mesmo – uma decisão que acabará por mudar o curso da sua vida.
Anderson mantém-se intensamente fiel às histórias e palavras de Dahl, optando por uma encenação teatral em que o elenco recita os textos quase verbatim. Monta as suas curtas como peças de teatro em que uma pequena trupe de grandes atores, incluindo Ralph Fiennes, Benedict Cumberbatch, Dev Patel, Ben Kingsley, Richard Ayoade, e Rupert Friend, interpreta todas as personagens e, até, várias personagens dentro da mesma narrativa. A máquina cenográfica é, também, completamente exposta, sendo possível ver os vibrantes cenários 2D e 3D a serem adicionados, retirados e manipulados consoante a progressão da história. A acelerada e concisa coreografia entre todos os elementos em cena é mirabolante e encaixa na perfeição tanto com a obra de Dahl, como com a obra de Anderson que, por sinal, têm imensas parecenças.
Se os últimos filmes do cineasta americano, The French Dispatch (2021) e Asteroid City, deixaram algo a desejar no que respeita o cerne emocional das suas histórias, Roald Dahl volta a guiar Anderson em direção à combinação perfeita entre o excêntrico e o humano, o visual e o abstrato, a que este nos tinha habituado com filmes como The Darjeeling Limited (2007), The Grand Budapest Hotel (2014), ou Moonrise Kingdom (2012). The Wonderful Story of Henry Sugar é um regresso à forma para Anderson, que se impulsiona no maravilhoso conto de Dahl para criar uma curta sobre dedicação e perseverança, cheia da magia e da dose saudável de orientalismo que definem os melhores filmes do realizador.
É óbvia a sinergia entre o autor e o realizador, sendo Anderson, talvez, o cineasta a trabalhar atualmente mais indicado para pegar no trabalho de Dahl. Já o tinha provado com Fantastic Mr. Fox, e mostra aqui, de novo, uma sensibilização escrupulosa para o tom, a temática, a estrutura e os instrumentos narrativos empregados por Dahl no seu storytelling, que Anderson transporta, tão harmoniosamente, para o aparelho cinemático. É igualmente evidente a confiança que o cineasta deposita no seu elenco, seja em colaboradores recorrentes como Fiennes, ou estreantes como Cumberbatch e Patel, que encaixam como uma luva no estilo já tão reconhecido de Anderson.
The Wonderful Story of Henry Sugar é uma pequena preciosidade que encapsula tudo o que o cinema de Wes Anderson tem de melhor: a dedicação ao pormenor e ao detalhe, a fascinação pela plasticidade da imagem e da cor, a teatralidade da representação, e uma história que tanto tem de fantástica como de essencial. Para aqueles que continuam a acreditar na visão deste realizador que se tem tornado tão divisivo, Henry Sugar funciona quase como uma recompensa pela paciência. Afinal, tudo do que Anderson necessitava era a inspiração de outro mestre do quimérico como Roald Dahl para voltar a encontrar a sua melhor versão.