A reputação de The White Lotus está pior ainda, após a segunda temporada. Falamos do hotel, claro, o grande protagonista, e não da série em si, porque essa está muito bem e recomenda-se.
Para quem ainda não ouviu falar da série do momento, The White Lotus, criada por Mike White, estreou a sua primeira temporada no verão de 2021. A série, que retrata a estadia de um grupo de ricalhaços num hotel de luxo chamado The White Lotus, fez logo furor nos círculos americanos, culminando na vitória de 10 Emmys em 2022. Os galardões catapultaram a série para o palco internacional e, pouco depois, estreava a segunda temporada.
Viajando desde o Havaí até a Sicília, na Itália, esta nova temporada conta com um elenco renovado, com a permanência apenas de Tanya e Greg (as personagens da icónica Jennifer Coolidge e de Jon Gries, respetivamente). A quase forçosa aura zen da ilha Americana foi, aqui, substituída pela violenta mitologia romana e a qualidade intimidante das grandes construções históricas italianas. Tal como aconteceu na temporada anterior, também os próprios cenários, tanto do hotel, como da sua localização, se transformam em personagens com papéis ativos na história, engolindo e hipnotizando aqueles que as povoam.
Itália consegue ser, para as diferentes personagens, um sonho clássico e romântico, um antro sexual, ou um sedutor labirinto maçónico. Mas, ao mesmo tempo que se constroem todas estas fantasias que conseguem ser bastante sombrias, há também um constante tom cómico, aliado ao ridículo estilo de vista das pessoas da classe alta. The White Lotus nunca leva as suas personagens demasiado a sério e destoa, pelas melhores razões, de outras séries centradas nas vidas luxuosas de milionários, por passar cada momento a desconstruir, e até ridicularizá-las.
As suas preocupações, apesar de excelente forragem dramática, são muitas vezes absurdas comparadas, por exemplo, com as vidas dos funcionários do hotel, que têm sempre contributos importantíssimos para o enredo. Se na primeira temporada era o gerente e os empregados, neste caso mantém-se a gerente – Valentina (Sabrina Impacciatore) – mas White traz para o grupo duas acompanhantes de luxo, Lucia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Grannò), que fazem trinta por uma linha no hotel, e protagonizam dos arcos mais deliciosos da série. Impacciatore é igualmente incrível neste papel e merecia mais tempo de cena para poder deixar o seu talento voar.
Quanto aos “ricos”, o enorme potencial das personagens de Mike White que não se chegou a concretizar por completo na primeira temporada, foi elevado a novas e entusiasmantes alturas nesta segunda tentativa. É complicado criar personagens com vidas tão distantes da maior parte dos espectadores e conseguir torná-las interessantes e acessíveis. No entanto, a complexidade que faltou nos capítulos anteriores, existe em dose extra na fornada dos novos episódios.
O quarteto Harper (Aubrey Plaza), Ethan (Will Sharpe), Daphne (Meghann Fahy) e Cameron (Theo James) traz teias de frustração, paixão, e dúvida numa reflexão fascinante sobre o casamento moderno, e os papéis de género nas relações heterossexuais. Todos os atores estão de parabéns, mas têm de ser sublinhadas, e colocadas a negrito, as atuações de Plaza e Fahy, cuja luta amigável mas renhida pelo Emmy se pressagia desde já. Ambas entregam desempenhos subtis e riquíssimos, próprios de quem toma as rédeas das suas personagens e as constrói de forma a que mais ninguém no mundo as pudesse interpretar.
A surpreendente dinâmica entre Tanya e Quentin (Tom Hollander), que só arranca verdadeiramente no quarto episódio, deixa qualquer um ansioso graças à sua estranheza. Já o conto geracional de Albie (Adam DiMarco), Dominic (Michael Imperioli) e Bert (F. Murray Abraham) acaba por ser o menos interessante graças à personalidade aborrecida de cada um, e ao caráter repetido de algumas das cenas que partilham. Haley Lu Richardson e Leo Woodall também oferecem interpretações sólidas como Portia, uma jovem adulta da Geração Z sem rumo, e Jack, o típico macho inglês com segundas intenções.
Vale a pena, ainda, mencionar a forma delirante como Mike White brinca com a informação que escolhe revelar, e aquela que fecha permanentemente no seu cofre exclusivo, deixando-a à mercê da interpretação de quem assiste. Se umas vezes revela os segredos sórdidos da sua trupe, numa narração omnipresente, outras vezes deixa-os a eles e a nós, por associação, na dúvida sobre a própria realidade, através de um subjetivismo que é constantemente afetado pelo fraco estado mental de cada um, e, por isso mesmo, ainda mais questionável.
Dentro de todos estes detalhes narrativos e estilísticos, o aspeto de murder mystery que circunscreve cada temporada acaba por ser dos menos importantes, servindo apenas de fio condutor da história. Ao saber que alguém vai morrer, e alguém vai matar, o espectador passa a prestar o triplo da atenção a todos as decisões, trejeitos e peculiaridades de cada personagem, na tentativa de prever o desfecho. A verdade é que, as mortes pouco impacto têm na história, até porque na temporada seguinte o elenco muda. Desta forma, são apenas um pretexto de White para estimular a sua audiência a ser um bocadinho mais ativa do que é habitual atualmente no consumo da ficção.
The White Lotus já foi renovada para uma terceira temporada. O destino, para já, é desconhecido, mas onde quer que seja que Mike White leve esta história de loucos, é bom que, por favor, inclua a mestria, o insólito e a minúcia desta segunda temporada na sua bagagem.
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