“I think socializing on the Internet is to socializing what reality TV is to reality.”
– Aaron Sorkin
Embora o primeiro serviço de online chat date a 1995, a Internet ainda não era o que era em ’98, ano da estreia de The Truman Show. No entanto, esta frase de Aaron Sorkin é uma resposta interessante ao que se passa no filme de Peter Weir, com especial ênfase na cena de abertura. A diferença entre o genuíno e o real, o falso e o controlado são algumas das dicotomias que o guião de Andrew Niccol apresenta, de uma forma, e expondo um pouco já a minha opinião do filme, absolutamente brilhante.
Truman Burbank é um mediador de seguros, casado e a viver na bela, calma e feliz vila de Seahaven. Mas a verdade é que este mundo perfeito é um estúdio. A vida de Truman é o centro de um reality show chamado The Truman Show, que o segue desde o berço e acompanha cada passo dos seus dias sem ele fazer ideia que tudo à sua volta são adereços e atores, e que toda a sua vida foi escrita por Christoff, o produtor do programa. O filme é a viagem de descoberta de Truman, não só de encontro à verdade, mas de si mesmo.
The Truman Show põe nos no mesmo lugar que os espectadores do próprio The Truman Show. O aspecto meta de fazer sentir quem está a ver, que alguém os pode estar também a ver através do seu ecrã, numa nave espacial perdida na Via Láctea, numa realidade quase a tocar a de Matrix (1999). Interessante que tenha estreado um ano depois do filme de Peter Weir, mas toque em alguns dos mesmos temas centrais.
Os nomes das personagens são nomes de atores famosos (Meryl, Marlon…), o próprio apelido Burbank é uma referência à localização da maioria dos grandes estúdios americanos. O nome do produtor Christoff, é uma obvia referência a uma figura messiânica. Então que perguntas levanta o filme? Se uma realidade falsa mas feliz, é melhor que uma realidade verdadeira mas infeliz? Se é melhor aceitar os riscos e agarrar a vida pelas próprias mãos, ou ficar no conforto de uma bolha que é real, mas não é genuína? A vertente da parentalidade, da televisão como escape da realidade, da prostituição moral ou os perigos do capitalismo também são temas muito relevantes aqui, mas todos giram à volta deste falso mundo transmitido pelos media que é tao relevante hoje como era em ’98, num mundo em que há uma Seahaven em cada post no Instagram.
Tudo em The Truman Show devia ser (e é) estudado. A qualidade da sátira, a belíssima atuação de Carrey, a forma como se construiu uma parte do filme como um programa de televisão, chamando a atenção para si mesmo, mas misturando-se suavemente com o ambiente, a forma como a música é usada para manipular o espectador – do The Truman Show do filme e do filme The Truman Show. É uma pura lição de cinema.
Há um plano que para mim responde a todas as questões levantadas durante aquela hora e quarenta, embora não tenha a certeza até que ponto seja propositado, mas é essa a beleza do cinema, cada um pode tirar coisas diferentes da mesma obra. Este plano é uma fotocopia de um plano em Papillon (1973), que é todo ele um grito visual à liberdade. Liberdade acima de qualquer outra coisa. Para o bem e para o mal. Essa é a lição de The Truman Show.