The Tragedy of Macbeth (2022)

de Guilherme Teixeira

Realizado por Joel Coen, que desta vez não renovou a parceria com o seu irmão Ethan, The Tragedy of Macbeth é uma adaptação do clássico de William Shakespeare e conta a história de Macbeth, um lorde escocês que é convencido por três bruxas que se tornará no próximo rei da Escócia, e apoiado pela sua esposa, elabora um plano para tomar o poder e garantir que a sua dinastia não termina com a sua morte.

Não é a primeira vez que esta peça do século XVII é adaptada para o grande ecrã. Uns optaram por ser mais restritos em relação ao texto original e outros tomaram algumas liberdades criativas com o propósito de tornar a obra mais acessível para a generalidade do público. Joel Coen decidiu manter-se fiel ao argumento o máximo possível, o que casou muito bem com a estranheza do estilo utilizado neste filme, muito inspirado no expressionismo alemão extremamente angular e espaçoso. Todo o filme é feito de contrastes, desde os receios de Macbeth (Denzel Washington) até à ambição desmedida da sua esposa, Lady Macbeth (Frances McDormand), passando pela desconfiança generalizada que paira sobre aqueles que os rodeiam, expresso principalmente através da própria atmosfera da peça.

Esta atmosfera tem aqui uma relação clara com a narrativa. Potenciada pela resolução 4:3 e a utilização de um preto e branco, acompanhado várias vezes por um nevoeiro que, como todo nevoeiro, esconde mais do que revela, somos levados para uma espiral de estranheza e delírio. O filme aproveita ao máximo estes aspetos para retirar as melhores reações e pensamentos dos atores presentes na cena, revelando os seus medos, as suas incertezas e dando a entender os seus planos, ou que, pelo menos, nem tudo é o que parece, dando a sensação de que a qualquer momento algo de grave vai acontecer. 

A fotografia, além de tornar tudo tão estranho, desde a peculiar simetria da atuação da luz, dos ângulos da câmara, fazendo lembrar verdadeiros retratos, até aos próprios cómodos, consegue também mergulhar-nos na mente insana de Macbeth ao potenciar toda aquela grandiosidade do Castelo, enquanto cria uma sensação de falta de vida e até, em alguns momentos, um pouco assustadora, fazendo-nos sentir cada vez mais pequenos ao longo da trama. Toda a estética minimalista do expressionismo contribuiu para essa estranheza, até em momentos críticos da história.

Existe sim uma estranheza em relação ao diálogo e, apesar de se casar muito bem com a proposta do filme, e ser essencial para a tal espiral de loucura, o elemento teatral está bastante presente e pode impedir um mergulho completo na proposta. No geral, Coen consegue equilibrar de forma positiva, mas também em vários momentos, principalmente no início, onde esse recurso ainda estava a ser criado e a estranheza propositada começava a ser evidente, chega a incomodar um pouco. Clarificado, a sensação geral é que estamos num museu a olhar para uma pintura muito bonita, mas devido à quantidade de pessoas que estão à frente não é possível admirar o seu todo como deve ser. A pintura é de facto muito bela, mas o distanciamento não permite que se vislumbre todo o seu potencial.

Denzel e Frances são a alma deste filme, claramente a enviar um singelo “oi” para a estatueta dourada mais cobiçada da sétima arte. Frances, dá vida a uma Lady Macbeth que não mede as consequências das possíveis derrotas e muito menos do enorme custo das vitórias o que acaba por levá-la, lentamente, à loucura. Já Denzel entrega a sua alma a um personagem que se vai perdendo a cada minuto que passa. As micro-expressões são importantíssimas, mas é nos monólogos que brilha. Leva-nos para a sua confusão durante os seus devaneios e coloca-nos numa situação de empatia para com um homem que, apesar de demente e violento, tem de lidar com a solidão de não poder confiar em ninguém. É neste homem que vemos o resultado da ganância de quem quer fazer tudo para derrotar o destino e alcançar o poder. Toda esta caminhada de um homem honrado até homem torturado, pelo peso da consciência dominado pela loucura e culpa, é definitivamente “Oscar worthy“.

Porém, tudo isto tem um limite, pois, apesar de haver boas interações entre Denzel e Frances, e os atores secundários também terem os seus bons momentos, existe uma clara debilidade nas interações entre os personagens principais e os secundários, o que retira força à linha principal da narrativa. Chegamos a encontrar um distanciamento entre Denzel e Frances, quebrando a progressão desse tal trilho de loucura em que ambos caminham. São estes distanciamentos que fazem com que em momentos muito pontuais, mas relevantes, a história principal se desconecte dos arcos secundários.

É necessário destacar ainda o trabalho de Kathryn Hunter, que interpreta as três bruxas. Os seus movimentos fazem lembrar verdadeiros corvos e são predominantes nas cenas, como se de verdadeiros presságios se tratassem. A sua voz, para além de hipnotizante é também assustadora, traçando assim um excelente paralelo com a essência daquela profecia que, por muito hipnotizante que seja, acaba por revelar um caminho verdadeiramente assustador e sem volta.

The Tragedy of Macbeth é um excelente filme que sofre com o facto de ter sido tão fiel ao texto original, criando uma sensação de estarmos a assistir a uma peça de teatro, para o bom e para o mau. Contudo, as ótimas atuações e a maravilhosa fotografia conseguem transformar essas possíveis debilidades em verdadeiras armas, transportando o público para aquele mundo. O mundo de um homem que até à sua morte não parou de correr atrás do prejuízo que uma enorme vitória lhe deu.

4/5
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