Nasceu como um pesadelo. Durante a distribuição da sua primeira longa-metragem, Piranha II: The Spawning (1982) – possivelmente o motivo do seu pesadelo –, James Cameron experienciou uma angústia nocturna com uma imagem horripilante infiltrando-se nos seus sonhos: um torso metálico a arrastar-se com facas, pelo chão de uma cozinha, afastando-se de uma explosão. Inspirado pelo cineasta John Carpenter e o seu grandioso sucesso low budget, Halloween (1978), Cameron entregou-se completamente a esta simples premissa de um sci-fi slasher com máquinas. Ninguém acreditava neste filme. Nem a distribuidora, nem a produção. Numa entrevista, antes de completar as filmagens, Schwarzenegger referiu esta longa-metragem como um “shit movie”. É necessário reconhecer que The Terminator é uma estranha criação. Apesar do seu enredo brilhante, quando pensamos na sua identidade audiovisual esta parece ser associada imediatamente a B movies, ao mercado home video da sua época e a “shit movies”. Contudo, mesmo diante esta descrença, Cameron vendeu os direitos do script por um único dólar com a condição de ser o realizador. Ninguém acredita em si próprio como James Cameron acredita em si próprio. Actualmente, The Terminator é considerado um clássico que redefiniu o seu género para sempre.
O horizonte é dominado por uma guerra entre a humanidade e as máquinas. Em 2029, Skynet transformou o mundo em cadáveres, esqueletos e destruição. Ainda assim, os humanos, liderados por John Connor, estão prestes a definir a sua vitória. Numa última medida para mudar este destino da inteligência artificial, Skynet envia um exterminador T-800 (Arnold Schwarzenegger) para 1984, programado para assassinar a mãe de John Connor, para derrotar a esperança humana neste apocalipse. Kyle Reese (Michael Biehn), um dos soldados de John Connor, é consequentemente transportado para este passado com o objectivo de salvar Sarah Connor (Linda Hamilton) e resgatar o futuro da humanidade.
Schwarzenegger é um excelente actor, consciente das suas capacidades limitadas mas sempre disposto a render a sua estrela simbólica aos seus realizadores. No seu tempo de heroísmo, Cameron encontrou uma força destrutiva, uma ameaça inesperada. O seu corpo determina perigo súbito para uma jovem Sarah Connor. Uma máquina insensível com uma única missão: matar-lhe. O motivo permanece enigmático para esta protagonista, propositadamente descrita como uma mulher comum; uma jovem estudante empregada num restaurante, à procura de diversão, dançar e simplesmente viver. “Nada de especial” como Sarah Connor própria reconhece dentro desta história. A inocência e ingenuidade que Linda Hamilton insere na sua personagem confronta o desespero impetuoso de Biehn, igualmente formidável na forma como comunica a sua existência trágica num rosto abatido, e ancora a narrativa emocionalmente. Perante as explosões, tiroteios e sangue derramado, o comovente olhar desta dupla é a recordação de um futuro esperançoso para a humanidade. Dentro desta normalidade de uma jovem mulher, desvendamos o esforço humano e encontramos o sonho do amanhã.
Um sonho imprescindível pois após um prólogo engenhoso nos seus efeitos visuais práticos, comandando o seu orçamento diminuto com uma intensa criatividade extraordinária e espectaculares visuais apocalípticos, James Cameron apresenta uma Los Angeles moderna que já perdeu a sua guerra. Cenários sebentos com becos carregados de lixo, ruas imundas e húmidas, paredes próximas do colapso e uma névoa única que acasala poluição com a natureza; este é um espaço reinado por indivíduos desertados pela sua própria cidade contaminada. Neste passado, Kyle Reese consegue assistir o seu amaldiçoado presente. Uma recordação constante da sua extinção. O design de som apodera-se deste elemento infectando a audiência com a omnipresença de máquinas, directamente como indirectamente no background. Através da edição sonora, sentimos a vida escravizada por uma autoridade tecnológica. Através da icónica composição electrónica de Brad Fiedel, particularmente no seu tema principal, sentimos um disparo musical e uma melodia bélica, simultaneamente militar e emocional, como um ser a renascer das chamas, ressuscitado pelas lágrimas dos seus companheiros humanos; o hino da humanidade. A direção de fotografia de Adam Greenberg, inicialmente subjugada por luzes de lanternas de agentes da polícia, candeeiros de rua, sinais nas estradas e prédios acordados que penetram este ambiente frio encadeando a fé individual com um flash superficial, atribui nos seguintes actos dramáticos um ênfase no brilho lunar e na natureza, invadindo a dupla principal como uma manta protectora. Para Cameron, a salvação está no mais básico acto humano: no amor. Uma perspectiva surpreendentemente sentimental que contrasta este universo violentamente condenado.
James Cameron revela uma genialidade artística peculiar na sua filmografia. O cineasta consegue harmonizar elegantemente a sua precisão técnica visionária com um argumento funcional mas puramente cool. Para um produtor alheio, as suas páginas sobressaem como o diário de um madman com um curioso fetiche em mulheres badass, água e tecnologia. Apenas James Cameron consegue realizar um argumento de James Cameron. Porque apenas este cineasta compreende o escopo épico abrigado nas suas entrelinhas. É uma linguagem inacessível para os restantes artistas na sétima arte. Como Sarah Connor, entramos neste universo numa perseguição, isentos de informação, perdidos entre balas caídas e entre corpos desconhecidos e familiares. Todavia nunca existe uma condescendência narrativa perante esta protagonista, nem perante o espectador. Praticamente desprovido de diálogos de exposição ou elementos que o realizador considera desnecessários, The Terminator conta a sua história através de movimento e expressão emocional, através da sua escala grandiosa e de fantásticas sequências de acção.
Quando pensamos nas escolhas marcantes deste clássico, como o próprio casting de Schwarzenegger, uma figura imensamente popular com um sotaque fortemente austríaco e uma inerente energia inócua, a encarnar uma temível e medonha máquina assassina; a sua estética punk; a icónica citação: “I’ll be back.”, antigamente uma frase banal, agora impossível de ser pronunciada sem imaginar a voz do exterminador; admitidamente percebo a reação da produção e distribuidora. Esta é a genialidade de James Cameron. Tudo funciona. Até o sotaque austríaco simplesmente funciona, como uma máquina à procura de emular a voz humana. Aliás, o antigo bodybuilder inicialmente sugeriu substituir a sua famosa frase por: “I will be back” pois soava mais robótico, adequado para a sua personagem. Cameron contestou com: “Don’t tell me how to fucking write.”, claramente uma resposta presunçosa e frustrante para qualquer membro de uma equipa ouvir. A realidade é que existe lógica na recomendação de Schwarzenegger mas Cameron opera a um nível além do nosso conhecimento. O racional é secundário, afinal tudo pode fazer sentido dependendo da perspectiva. Cameron tinha razão. É uma confirmação que a arte é sempre movida por emoção, não lógica. O cineasta segue principalmente o seu instinto criativo, os seus interesses e os seus fetiches mesmo quando estes parecem desenquadrados. Funcionam porque o realizador compreende a essência principal das suas histórias. Simplicidade narrativa abre espaço para emoções complexas.