“A Ficus Religiosa é uma árvore com um ciclo de vida incomum. A sua semente, contida nas fezes de aves, cai sobre outras árvores. Raízes aéreas surgem e crescem até ao chão. Em seguida, os ramos enrolam-se à volta da árvore hospedeira e asfixiam-na. Por fim, a figueira sagrada ergue-se sozinha.”
Em 2022, enquanto cumpria a sua pena, condenado pelas suas críticas ao regime iraniano e pelo seu trabalho cinematográfico subversivo, o realizador Mohammad Rasoulof testemunhava de longe o despoletar da Revolução Jina. Entre os cineastas mais politicamente explícitos do Irão, Rasoulof conquistou aclamação internacional ao lançar um olhar direto e incisivo sobre a teocracia sufocante do regime iraniano, como demonstrou em There Is No Evil (2020), vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. O seu mais recente thriller doméstico, afiado e impactante, funciona como um recado direto ao regime iraniano, provando que a arte pode ser tanto uma espada quanto um escudo na luta pela liberdade.
The Seed of the Sacred Fig (Dāne-ye anjīr-e ma’ābed) utiliza o microcosmo de uma família iraniana para explorar as tensões e divisões geracionais mais amplas da sociedade sob o regime autoritário, misturando na narrativa elementos fictícios e reais. Iman (Misagh Zare), um pai respeitado e recentemente promovido para uma posição de destaque no Tribunal Revolucionário Islâmico, vive confortavelmente ao lado da sua esposa Najmeh (Soheila Golestani), que se orgulha da lealdade do marido ao regime – e das inerentes recompensas. Paralelamente, as suas filhas, a universitária Rezvan (Mahsa Rostami) e a jovem Sana (Setareh Maleki), distanciam-se das crenças conservadoras dos pais, nomeadamente após acompanharem múltiplos vídeos nas redes sociais alusivos à violência do governo contra manifestantes.
O choque geracional torna-se visceral quando é exacerbado pelo desaparecimento misterioso da arma de Iman, alimentando o sentimento de paranoia e desconfiança dentro da família. Simultaneamente, a revolução intensifica-se e o ódio entre os diferentes lados do movimento cresce, ampliando ainda mais as fissuras entre os membros da família.
A simbiose quase poética entre a narrativa e os meios técnicos de The Seed of the Sacred Fig, transforma cada cena numa extensão da sua mensagem. A direção de fotografia utiliza de forma magistral o ambiente claustrofóbico da casa para refletir o confinamento emocional e político das personagens. Com tons sombrios e composições meticulosamente cuidadas, a cinematografia transmite uma sensação de constante opressão. As cenas, muitas vezes longas e intensas, criam uma atmosfera cuja tensão é de cortar à faca, na qual cada gesto e cada olhar entre os membros da família ganha um peso esmagador, intensificando a sensação de sufoco psicológico.
No que diz respeito às atuações, o elenco de The Seed of the Sacred Fig é soberbo: a química entre os membros da família é palpável, e cada ator parece compreender profundamente os conflitos internos das suas personagens. As jovens Rostami e Maleki, conseguem transmitir uma mistura de rebeldia, medo e desespero, sem nunca cair na caricatura. O trabalho de Zare é igualmente notável, revelando a complexidade de um homem dividido entre a lealdade ao regime e o amor pela sua família. Por fim, Golestani desempenha com maestria o papel de mediadora impossível entre as filhas e o marido, sendo constantemente forçada a escolher um lado.
A música (quase sempre em segundo plano) sublinha o suspense crescente: não sobrecarrega as cenas, mas acentua o peso emocional da narrativa. Este uso contido da banda sonora encontra eco nos silêncios cuidadosamente trabalhados, criando momentos de reflexão e tensão que ressoam tão profundamente quanto os próprios diálogos. Assim, o suspense é habilidosamente construído, com uma tensão capaz de manter o espectador à beira do abismo. No entanto, o desfecho do filme sente-se abrupto, tomando ares de um western, e embora impactante, termina de maneira surpreendentemente rápida, como se a narrativa fosse encerrada antes de conseguir explorar totalmente o seu potencial.
The Seed of the Sacred Fig não é um filme de terror convencional, mas o seu horror reside em algo real e aterrador: a opressão brutal do governo iraniano sobre o seu próprio povo. Rasoulof vai além da crítica à repressão política, abordando as profundas consequências emocionais e psicológicas de viver sob um regime totalitário. Por sua vez, a tensão entre pais e filhos é um reflexo das fraturas de uma sociedade esmagada pela opressão, onde a busca pela liberdade se torna um ato doloroso de resistência. Embora o filme não seja perfeito, a sua ousadia é incontestável – expõe a dura realidade de que, sob o regime iraniano, o sucesso exige não apenas conformidade, mas o sacrifício e destruição de outros.
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