O símbolo americano da masculinidade tem sido atribuído ao Cowboy desde que fora popularizado no género literário e cinemático do Western. Romantizado através dos media e da representação nos espetáculos vaudeville do Wild West Show entre 1870 e 1920 que classificavam estes protagonistas como heróis combatentes de índios estigmatizados como vilões sensacionalistas. Esta idealização sofreu alterações nas suas interpretações durante o percurso de várias longas-metragens. Desde o forte e silencioso Gary Cooper e John Wayne ao divertido e exibicionista Tom Mix. Uma variedade entre personagens que seguem as suas próprias regras até à patética expressão britânica que decreta estes como jovens irresponsáveis.
Apesar destas transformações, um aspeto perseverou na sua definição. A exibição do Western como a conquista da natureza selvagem em nome da civilização segue um semelhante traço de raciocínio para o distinto misterioso rancheiro considerado honorável pela sua dominação. Nesta arte, a fronteira americana refere cavalheirismo, coragem e intrepidez à figura que o homem aspirava a ser nos Estados Unidos, num modelo masculino a ambicionar.
The Rider (2017) é uma exploração da ambiguidade abandonada do género e as contradições das suas mensagens que permanecem como objetivos a alcançar. Brady Blackburn (Brady Jandreau) é uma estrela em ascensão que sofre danos cerebrais após um acidente quase fatal num rodeio. Aconselhado pelos médicos a desistir de cavalgar pela sua própria segurança, o jovem enfrenta um futuro longínquo da sua paixão devido às suas convulsões e à perda de controlo muscular da mão direita.
Durante o processo de pesquisa da sua primeira longa-metragem Songs that my Brothers Taught Me (2015) Chloé Zhao conheceu Brady Jandreau que trabalhava num rancho e ensinou a realizadora a montar um cavalo. O seu talento carismático e habilidade de comunicar com os animais teceu um interesse imediato na artista de adicionar o jovem num projeto cinemático. Nos próximos tempos, Jandreau iria sofrer um trágico imprevisto que conturbou o seu trajeto e se tornou na base desta narrativa.
Entre documentário e ficção, o elenco é preenchido principalmente por atores não profissionais, incluindo familiares e amigos do protagonista que interpreta uma versão ligeiramente alterada dele próprio. Nesta equipa estão presentes a sua irmã autista mais jovem que partilha a teimosia da família e o seu pai rigoroso que manifesta a antiquada expectativa masculina, ridicularizando a fragilidade do seu filho e criticando simultaneamente a imprudência que surgiu dessa humilhação.
Zhao conduz os atores fenomenalmente, concebendo um conforto no elenco perante a câmara ao desenvolver um argumento propínquo dos seus percalços pessoais familiares, com uma estrutura ideal para o grande ecrã. A realizadora permite um estilo colaborativo que amplia a naturalidade dramática e resulta num desfecho absorvente e melancólico, encapsulando o cinema como uma representação artística da realidade.
A ansiedade de perseguir um sonho perdido pela veracidade do corpo traidor é examinada por um conceito factual mesclado com elementos devaneadores. Quando observamos Blackburn a amansar um cavalo, presenciamos a profunda ligação crescente que realmente existe entre os dois, capturada neste específico momento. Ao deslumbramos os espaços arrebatadores iluminados pelo Diretor de Fotografia, Joshua James Richards, que compõe imagens vívidas e retém uma espontaneidade romântica apropriada para os seus temas, compreendemos a venustidade fantasiosa que Blackburn tanto procura preservar consigo.
Admiradores estranhos e conhecidos questionam constantemente o seu retorno, recordando-lhe que um cowboy domina a sua dor. Brady mantém a esperança ao convencer-se erradamente que a sua situação é temporária. Lane Scott, um jovem amigo de Jandreau, surge como um sinal do seu possível futuro e a réstia de paixão que persiste neste desporto. Os dois revisitam a glória do passado, conscientes que estes dias permanecerão eternamente num telemóvel. A empatia proporcionada nestas interações, distanciadas de melodrama, reinam como o preeminente emocional desta narrativa.
Os clássicos enredos comuns sobre homens solitários que priorizavam a violência ou os seus desejos contra o mundo são revertidos por uma visão que observa os comportamentos impulsivos de procurar ambições destituídas contra as responsabilidades altruísticas para com uma família. A perspicácia de Zhao elabora este indie íntimo e grandioso como um dos melhores trabalhos de realização sensível desta década.
The Rider é um retrato contemporâneo Americano colorido por uma reconstrução da identidade masculina. O poder da sua lente juntamente com o silêncio ponderador do ator principal comunicam uma balada visual lírica que perdura para além da sétima arte.
Esta exploração universal de reinvenção individual confine Brady num confronto com duas viagens distintas, num caminho idealista que irá conduzir à sua inevitável e prematura morte ou aceitar a sua vulnerabilidade e desaparecer gradualmente numa extinção lenta permanente. Os princípios masculinos integrados nesta cultura encurralam jovens pressionados pelas suas aspirações comuns e pelo ambiente que os rodeia a acolher a dor na eventualidade de qualquer rodeio ser o seu último. Os espaços desertos com paisagens crepusculares e estradas apropriadas para cavalgar demonstram um mundo designado para montar a cavalo e sentir a brisa da liberdade; crescer neste lugar é nascer numa sela e perder essa possibilidade implica divorciar-se do destino.
Qualquer individuo considerou outrora a improbabilidade da realização dos seus objetivos, contudo, a sensação de atingir esta finalidade apenas para de seguida se deparar com a expectativa daquilo que amam ser a causa principal da sua morte questiona a icónica citação de Alfred Lord Tennyson.
A realidade de um cowboy separa-se da violência combativa contra nativos americanos e associa-se maioritariamente aos trabalhos em ranchos com gado. A natureza responsável desta figura no seu cargo permaneceu inerente ainda que a sua representação cinemática direcionava-se ao modelo vistoso que propagava um homem movido somente pelos seus desejos.
O profundo desgosto existencial da impotência inserida nesta história exemplifica uma capacidade extraordinária de traduzir vida em arte e na compreensão das imagens e dos seres capturados nesta. Em The Rider, Chloé Zhao define um cowboy modernizado, que aprende a cuidar daqueles à sua volta e por mais doloroso que seja, domar os seus sonhos. A existência desta longa-metragem demonstra que Brady Jandreau pertence nesta definição e Zhao pertence ao cinema.