The People’s Joker é o filme que a Warner Brothers impediu o mundo inteiro de experienciar. Aliás, um dos diversos filmes recentes que o estúdio procurou eliminar – façanha do seu super vilão, David Zaslav, um Lex Luthor desprovido de carisma e inteligência com o rosto do The Thing dos Fantastic Four. Contudo, é necessário manter o profissionalismo e distanciar deste clickbait tipicamente malicioso para referir que a disputa entre a detentora da DC Comics e Vera Drew, criadora desta longa-metragem, surgiu principalmente por uma crença de infringimento de direitos de autor. Apesar de Drew, uma realizadora transgénero que produziu esta longa-metragem independente com 25 mil dólares através de crowdsourcing e o restante da sua própria carteira, mencionar justamente os direitos de copywriting acerca de paródias, o estúdio bilionário persistiu em perseguir esta comédia até a sua exibição ser completamente retirada de todos os festivais de cinema. Afinal, este é o estúdio que apagou Batgirl e Coyote vs. Acme da existência para poupar nos impostos, após ambas as produções terem sido finalizadas com elogios. Claramente, importam-se genuinamente com a criação dos seus artistas e os seus direitos de autor. É quase digno de uma gargalhada.
Dois anos depois, The People’s Joker venceu a batalha, conseguindo distribuição em festivais, cinemas e no mercado online, pincelando a sua criadora com milhares de dólares de dívidas, enquanto a Warner Brothers continua no seu sucesso duvidoso. É uma guerra que parece simplesmente ter perdido a sua pólvora. Independentemente do motivo para esta questionável vitória, é um conflito que revela-se (ainda mais) ridículo quando atingimos os créditos finais desta longa-metragem e reconhecemos a sua homenagem tocante ao impacto destas produções, cinemáticas e novelas gráficas, na jornada individual da sua realizadora. É um elogio, uma expressiva afirmação de amor sobre estas personagens, as suas histórias e os seus marcantes visuais, acompanhada por um Batman predador sexual. Consinto que é um tributo num banho químico.
Na realidade, recuando até os créditos iniciais, além do seu uso de figuras icónicas de pop culture, é complicado definir exactamente esta obra de Vera Drew; é uma espécie de pseudo-documentário, uma jornada de autodescoberta pintada nas páginas de um comic book surreal semi-biográfico adaptado para um formato audiovisual próximo de indescritível, uma sessão de autoterapia cinemática formada por flash animation, efeitos green screen propositadamente cheap, o catálogo de personagens da DC Comics e um divertido sentido de humor negro e awkward que cruza as mentes de Tim & Eric, Sacha Baron Cohen e Eric André com o corpo da internet – especificamente o intestino grosso que é o 4chan e o Twitter (as minhas desculpa pelo deadnaming) e os pulmões infectados do Youtube. Na verdade, é principalmente uma comédia. É isso que o seu coração bombeia pelas suas veias artísticas.
Situado numa Gotham repleta de vilões cansados, alguns interpretados fisicamente por actores outros constituídos por CGI horripilante ou stopmotion, e um Bruce Wayne bilionário desinteressado no povo que supostamente protege, The People’s Joker é a história de uma jovem que sonha participar no elenco de palhaços da UCB Live (uma paródia de Saturday Night Live (1975-)). (Nome Censurado) sonha com gargalhadas mas ainda não encontrou a sua voz, um aspecto que prejudica as suas capacidades, sentindo que está somente a interpretar um papel. É verdade. Vera está a interpretar uma pessoa diferente, está a interpretar (Nome Censurado)para apagar a sua disforia de género e apaziguar a sua família conservadora. Frustrados com o sistema, Drew estabelece uma equipa com Penguin (Nathan Faustyn) decidindo abrir um clube nocturno dedicado a actos de stand up anti-comédia, vestindo um novo traje e adoptando o nome Joker the Harlequin. Só o conceito de um Joker transgénero é vastamente mais interessante, irreverente e original do que seja o que for que o Todd Phillips está a desenvolver nas suas cópias esbeltamente encadernadas da filmografia de Martin Scorsese. A vida realmente é uma comédia.
Para Vera Drew, The People’s Joker é um acto de contracultura. Apesar da sua mensagem funcionar como uma marreta num cartoon a desnivelar a cabeça dum morcego ou de um toxic boyfriend, ou ocasionalmente ficar demasiado cativada pela sua própria voz, perdendo-se nos seus devaneios e na sua paixão pelo caos desordenado e anárquico, é uma narrativa genuinamente honesta e engraçada. É um Freddy Got Fingered (2001) que substitui o seu cinismo agudo por uma alma. A realizadora derruba os limites técnicos habituais de uma produção comum e aplica a artificialidade deste meio criativo da sétima arte e de paródias no Youtube para explorar a sua identidade e o seu crescimento artístico. Um aspecto evidente na sua introdução com uma dedicação à sua mãe e a Joel Schumacher, realizador de Batman Forever (1995) e Batman & Robin (1977) – ambos escarnecidos pela cultura popular, a sua componente satírica ignorada por nerds que saciaram-se no prazer de ser permitido humilhar estas criações e os seus criadores. Porque razão sentiu Schumacher a necessidade de continuar a pedir desculpas pelos filmes décadas depois? Vera Drew partilha a sua vivência e a forma como Batman Forever acudiu a sua pessoa interior, enterrada no fundo, a respirar.
Através de The People’s Joker, desvendamos uma história sobre a liberdade que a arte oferece à humanidade; particularmente a comunidades isoladas pela sociedade. Naturalmente, todos procuram emular ou ser as suas figuras favoritas: heróis, vilões ou até ambos (comediantes). Estúdios colossais manipulam esta veneração para mitificar religiosamente as suas propriedades intelectuais e atrair audiências no seu mundo “ouroboral”. Contudo, Vera Drew comprova que o público consegue sempre encontrar-se independentemente da influência; a cineasta comprova que os espectadores seguem sempre o seu coração, mesmo que a personagem seja um palhaço antagonista com um sorriso vermelho. Cinema, televisão ou uma banda desenhada. A arte pertence ao povo.
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[…] Drew encantou e chocou o público com o seu filme de estreia, The People’s Joker – um retrato autobiográfico de uma pessoa transgénero ao tentar navegar […]