Havia um pensamento constante na mente de James Wan: Se é possível haver um universo Marvel porque não criar um no mundo do terror? Tudo iniciou em 2013 com The Conjuring (2013), baseado na história real de Ed e Lorraine Warren, um casal que investiga casos sobrenaturais. Os demónios são o centro da história mas é a ligação emocional dos protagonistas, Vera Farmiga e Patrick Wilson, a conectar a audiência aos argumentos. A partir daí, um pequeno teaser de uma boneca de porcelana, iniciou o The Conjuring Universe com Annabelle (2014), como era o grande desejo de Wan. Depois, em The Conjuring 2 (2016) surgiu outro favorito, um demónio na forma de uma freira que aterroriza uma família e abre as portas a um novo caminho. Esse caminho surge em 2018 com The Nun mas o feitiço parece virar-se contra o feiticeiro. Um dos filmes menos consensuais da saga, tanto a nível de crítica como de público, acaba, no entanto, por ter em 2023 a sua sequela – The Nun II.
Valak (Bonnie Aarons) busca vingança da irmã Irene (Taissa Farmiga), após a sua derrota na Abadia de Santa Carta, na Roménia. Uma série de eventos horríveis revela à Igreja que o demónio está de volta e a expandir a sua influência. Tanto a Igreja como o demónio procuram a maneira de vencer a guerra e encontram a resposta ao seu desejo num colégio interno no interior de França onde existe um artefacto poderoso. Conseguirá a irmã Irene antecipar-se ao demónio e vencer, de uma vez por todas, este mal ancestral?
Valak – o demónio, um anjo caído em desgraça, é expulso do céu por Deus após uma rebelião falhada iniciada em conjunto com Lucífer. Esse cair de graça, do mais alto dos céus para as profundezas do inferno define, em grande parte, a sua aura malévola. Com uma presença constante desde The Conjuring 2, Valak partilha com Malthus (da saga Anabelle) a galeria de vilões deste universo, cada vez mais enriquecida com pormenores e histórias paralelas acabando por elevar os antagonistas a um estatuto que raramente adquirem no cinema de terror. Se no lado do mal a reverência impera, na Igreja há um cuidado em representar fidedignamente todos os termos e objectos religiosos, com uma discussão do mistério da fé, bem patente na personagem da irmã Debra (Storm Reid), consumida pela dúvida de uma fé forçada em criança. Novamente surge Santa Lúcia, patrona dos cegos, como a graça iluminadora que vê para além das aparências e tem a solução do problema em algo imaterial, não visível a olho nu. Encontrar reflexões de fé poderá incomodar (ou mesmo irritar) alguns espectadores mas criar este espaço num filme de grande orçamento é algo digno de ser mencionado.
Ao colocar o ênfase no lado pessoal da irmã Irene, na sua história familiar e no regresso de Maurice (James Bloquet), ambos do filme original, The Nun II consegue envolver o espectador e elevar o terror para além do susto fácil. O horror é tão mais real quando nos preocupamos com os heróis da narrativa. As estreantes Katelyn Rose Downey e Anna Popplewell como Sophie e Kate, respectivamente, aumentam a parada a nível emocional com uma interpretação sólida ao passo que Storm Reid, como irmã Debra, é subaproveitada. Há promessas de discussão de igualdade de género e racial, no sul segregado dos E.U.A, ainda hoje tão relevantes, e uma ênfase no dogma de fé, mas todos estes temas acabam por cair perante a avalanche de sequências de acção (uma clara prioridade) deixando um claro amargo de boca. Contrariamente ao esperado não desperdiça todos os melhores momentos no trailer e consegue surpreender por vezes, algo cada vez menos comum no terror “made in Hollywood”. Consegue-o com um inteligente uso de flashbacks; um bom trabalho sonoro e uma fotografia a desafiar as expectativas do espectador. Quando a vila francesa é o pano de fundo da narrativa parecemos transportados para o passado com o uso de tons de sépia, a dar um look vintage inesperado e a relembrar a influência do expressionismo alemão como percursora do filme de terror. Os jumpscares, imagem de marca da saga, são bons e recomendam-se mesmo para quem não é grande fã deste modo de aterrorizar o espectador. No campo da criação de atmosfera continua a não acertar de todo e as situações de horror sucedem-se individualizadas (algumas com relativo sucesso) mas nunca parte de um todo consistente.
Longe de ser memorável ou de quebrar a tradição do terror, criado por James Wan, este The Nun II consegue, no entanto, superar o filme original. Tudo fruto de uma aposta no envolvimento emocional do espectador nas suas personagens e no desafiar das expectativas vigentes neste universo de terror. Temos vislumbres ocasionais do paraíso do terror imaginado por Wan mas o caminho no purgatório de Hollywood parece ainda longo.