THE NIGHT HOUSE (2021)

de João Iria

Persiste uma desnecessária vontade no cinema de terror em explicar detalhadamente os segredos do enredo na sua conclusão como forma de remover qualquer sensação de confusão narrativa. Uma decisão estranha porque a essência crua do género reside no desconhecido, na ausência de compreensão e na morte como o mistério da vida. Um enigma que assombra pela sua incerteza, colocando questões sem resposta acerca do que sucede depois do nosso último fôlego e se o destino final é o céu, inferno, reencarnação ou simplesmente nada. Apesar do impacto artístico ser profundamente superior quando permanecemos neste limbo de interrogações, a audiência requer a certeza nas histórias porque não existe na realidade e permite, assim, um sonho permanente.

A morte está presente em The Night House, o novo filme de David Bruckner, realizador de The Ritual (2017), acerca de Beth (Rebecca Hall), uma professora viúva a tentar processar o luto do seu marido, Owen (Evan Jonigkeit). Transtornada pelo sucedido, Beth isola-se numa casa construída pelo seu cônjuge, no meio de nenhures, à procura de respostas para o seu suicídio e a sua críptica última mensagem. Durante a sua estadia, começa a sentir uma presença na residência que interfere nos seus sonhos e realidade, atraindo atenção para os segredos obscuros escondidos pelo seu falecido esposo, dilacerando uma relação afortunada e colocando esta numa nova perspetiva perturbante. 

The Night House encontra terror num espaço único, explorando depressão, tendências suicidas, o medo da morte e a ideia de amar e viver com alguém que nunca iremos conhecer plenamente e as implicações deste conceito. É uma espécie de paranoia comum porque não temos a capacidade de nos conhecer a nós próprios completamente, muito menos outro indivíduo, no seu interior. Encarar alguém íntimo, com nova informação prejudicial, altera inevitavelmente a forma como olhamos para ela, principalmente após a sua morte em que a possibilidade dessa elucidar a situação, desaparece. São formas distintas do desconhecido que perduram na nossa existência que Bruckner combina para criar uma longa-metragem que funciona como uma ilusão ótica acerca da verdade que conhecemos e a que existe no nosso mundo, mantendo uma direção concisa e impedindo a dominância de efeitos típicos do género com um ambiente ominoso que procura inspiração nos clássicos como The Haunting (1963)

Desenvolve uma história absorvente, sem forjar doenças mentais como adereço narrativo, criando investimento emocional que sobrevive às suas revelações tematicamente conflituosas e permite a audiência acompanhar a sua protagonista até à conclusão, com esperança e genuíno interesse na sua salvação ou o mais próximo disso. Esta aplicação dramática surge devido ao incrível talento de Rebecca Hall, que envolve a audiência em Beth com maior preocupação nas consequências dos segredos do que curiosidade na sua descoberta.

Hall incorpora a raiva que surge da mágoa e do luto, como uma personagem indiferente ao mundo, abandonada pela vida e aceite pela morte. A sua casa transforma-se num túmulo do qual ela reside a tempo inteiro, sem compreender diretamente o motivo. Esta demonstra sinais de assombramento com pegadas desconhecidas pelo chão e uma música específica a sinalizar a entrada do sombrio. Para Beth, o arrepiante é um sinal de esperança e confirmação das suas crenças abandonadas. Uma personagem complexa que exige uma profundidade emocional que a atriz entrega completamente, impressionando com uma ampla variedade de emoções, muitas propositadamente contraditórias, do que significa perder alguém importante, alguém confiável e amado e descobrir imediatamente a fragilidade da verdade numa relação. Um dos pontos altos do argumento é a forma como insere comportamentos e ações realistas numa atmosfera fantasiosa, consciente que desde que as personagens ajam naturalmente perante as suas circunstâncias, tudo encaixa no reino da possibilidade. 

Quando não está dependente de jumpscares habituais, Bruckner desenvolve tensão num ambiente contido e um terror que cresce em ameaça. O realizador adiciona uma dúvida persistente acerca da realidade nos eventos que sucedem, sem alguma vez tornar-se num truque barato do género, refletindo as consequências naturais de uma protagonista que afoga as mágoas no álcool, enquanto sofre pelo seu marido, na descoberta do seu suicídio e de possíveis problemas desconhecidos associados a este, desesperada por compreender a própria pessoa que acreditava conhecer plenamente. É uma personagem que anseia por desabitar o concreto, logo, é uma decisão natural que surge tematicamente no argumento. São detalhes importantes como estes que destacam The Night House dos seus contemporâneos. 

Infelizmente, o terceiro ato desaponta na divulgação do mistério que se esforça para gerar um laço completo narrativo, denegrindo a qualidade intemporal da longa-metragem e complicando certos aspetos que interferem na componente dramática da história e distraem do verdadeiro terror final. Serve como uma recordação que este género consegue ser mais eficaz quando permanece na complexidade do desconhecido e quando a lógica não é a fonte principal do horror, mesmo que o público exija uma racionalidade elaborada atrás dos eventos ocultos.

The Night House excede como uma melodia existencial quando coloca o seu foco na protagonista e na sua viagem emocional, surpreendendo com um argumento inteligente e uma direção empática. Apesar de declinar, momentaneamente, na banalidade do género com sons estridentes e recear uma essencial atmosfera ambígua, é uma narrativa que expressa uma faceta assustadora em relação à saúde mental e a sua ligação à morte e ao dia de amanhã, assombrando num último momento de silêncio e demonstrando que estas histórias nunca terminam com os créditos finais. O mistério perdura sempre, como um segredo infindável.

3.5/5
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Ju 4 de Outubro, 2021 - 12:00

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