A poeira ainda não assentou, mas tenho a certeza que este The Matrix Resurrections vai ser um tremendo divisor de águas entre os mais saudosos, que esperavam algo mais fidedigno aos originais, e aqueles que estavam ansiosos por algo novo, pelo menos até certo ponto. Desta vez, a realidade simulada mais famosa de todos os tempos não juntou as duas irmãs Wachowski como nos três filmes anteriores. Apesar do quarto filme da saga Matrix ter ficado apenas nas mãos de Lana, não podia sobreviver sem o regresso de Keanu Reeves e de Carrie-Anne Moss, como Neo e Trinity, respetivamente.
Se quisesse resumir em poucas palavras a experiência de ver este filme seria: bom conceito, mas demasiado agarrado ao passado. The Matrix Resurrections traz consigo uma boa premissa e uma boa base – obviamente -, promovendo uma futura expansão daquele mundo construído ao longo de cerca de 20 anos, ao mesmo tempo que introduz a audiência àquela nova realidade que se mostra mais perigosa e complexa, relativamente aos Matrix anteriores. Mr. Anderson AKA Neo, tem de seguir o coelho mais uma vez, e escolher entre o comprimido azul e o comprimido vermelho – e todos nós sabemos o que isso implica.
O filme perde imenso com a decisão de fazer retornar personagens como Morpheus, Smith e até da Niobe. A justificação para a sua aparição é tão deficiente que acaba por atingir o peso dos próprios atores no filme. Abdul-Mateen II até faz um bom trabalho como Morpheus, mas o peso que tem neste filme não faz jus ao Morpheus das instalações anteriores – que se mostrava alguém conhecedor e um autêntico mentor de Neo –, e aqui parece ter sido relegado para uma posição demasiado secundária, colocando em questão a necessidade da sua existência. Jonathan Groff também sofre com este efeito, pois parece trazer algo de novo ao filme, mas o facto dar vida ao mítico Agente Smith faz com que a comparação com a atuação de Hugo Weaving se torne inevitável. Isto não quer dizer que Groff tenha sido mau a interpretar o seu papel, simplesmente, o seu potencial podia ter sido extremamente melhor aproveitado se o filme não tivesse medo de introduzir novas personagens, em vez de reutilizar personagens antigas com outros atores. Um bom exemplo disso é a adição de Bugs, interpretada por Jessica Henwick, cujo carisma e personalidade faz com que tenhamos interesse em seguir e conhecer aquela nova personagem.
The Matrix Resurrections é demasiado meta, ou seja, é demasiado consciente de si próprio ao ponto do começo do filme acabar por ser, basicamente, o início primeiro filme em termos de estrutura e fórmula. E uma coisa é certa, durante algum tempo toda a meta-linguagem e todo o fan service funcionam, mas isso torna-se um problema quando esses recursos acabam por ser utilizados como forma de distrair a audiência dos problemas do argumento, principalmente, quando decide usar clips dos outros filmes para justificar algo que está a acontecer no presente. Está bem feito, isso não há dúvida, mas aquela pulga atrás da orelha que grita falta de originalidade, está aqui mais presente do que nunca. O self-aware em relação à Matrix acaba por ser uma verdadeira distração, mas, para ser justo, também acaba por trazer novamente consigo uma boa discussão sobre o livre-arbítrio.
Há também um novo conceito de “bullet time” que, apesar de ser exposto de forma breve, acaba por trazer aquele sentimento coolness que o filme de ’99 trouxe, ao mesmo tempo que introduz algo que realmente contribui para a identidade desta nova longa-metragem.
As cenas de ação não tem o mesmo charme que os outros três filmes do franchise, tentando juntar os elementos característicos do clássico com elementos novos dos filmes de ação, o que acaba por dar-nos bons momentos de luta, mas, por outro lado, existem algumas cenas que sofrem com a edição, nomeadamente com a forte presença dos cortes abruptos, tonando-se difícil de perceber quem é que está a fazer o quê. Fica a sensação que é apenas mais um filme “de porrada” como qualquer outro lançado na atualidade, não que seja uma coisa má, mas quando alguém pensa em Matrix e cenas de ação, normalmente, a primeira palavra que vem à cabeça é “revolucionário”.
A banda sonora é realmente memorável tendo uma função muito preponderante na construção das cenas e na ambientação dos espaços, estando ao nível do original. Aliás, no geral, o filme tem um ótimo trabalho sonoro, o que juntamente com os ótimos efeitos visuais, conseguem criar uma verdadeira sensação de tremenda tensão e grandeza ao filme.
Para terminar, este quarto capítulo da saga Matrix não é um mau filme, pelo contrário, tem bastantes méritos. Resgata e aprofunda, até certo ponto, algumas questões dos filmes anteriores, mas isso também acaba por ser o seu calcanhar de Aquiles, uma vez que torna as questões repetitivas, tal como as respostas. As novas questões, ou não são aprofundadas como deveriam ser, ou têm uma resposta pouco satisfatória ou acabam por ser esquecidas no meio de todas as referências e sequências de humor que disfarçam os furos do argumento.