Os filmes do estúdio Marvel deixaram de ser interessantes há demasiado tempo. Com a excepção de algumas obras – como Guardians of the Galaxy Vol. 3 (2023) ou as longas-metragens de animação do Spiderverse (2018/2023) -, o projecto de construir um universo compartilhado de super-heróis demonstrou-se mais inclinado em obter lucro do que realmente construir histórias complexas que provoquem emoções genuínas no público. A massificação destas longas-metragens despiram-nas de qualquer reflexão e originalidade que as suas origens nas bandas desenhas tinham, a visar o amplo alcance de espectadores que querem apenas consumir um produto simples e efémero.
Uma estratégia usada por grandes empresas, para aumentar o alcance do seu público, é incorporar movimentos sociais e de identidade nos seus discursos para vender a ilusão que setores da sociedade, antes marginalizados e oprimidos, podem encontrar nos seus produtos uma forma de aproximação e visibilidade. Essa foi a principal intenção de marketing quando os estúdios da Marvel lançaram Captain Marvel (2019), o primeiro filme do seu universo protagonizado por uma mulher, e agora repete-se com a estreia de The Marvels, em que três super-heroínas são o foco da narrativa. Embora o facto de que uma obra com grande distribuição e espaço nos media gire em torno de figuras femininas de diferentes raças, etnias, e também realizado por uma mulher, seja um feito de extrema relevância social, o produto final é um argumento pouco inspirado com personagens sem nenhuma complexidade, questões técnicas questionáveis e conflitos de resoluções fáceis. Ou seja, um produto vazio e efémero.
A história de The Marvels acompanha as consequências das ações de Carol Danvers/Capitão Marvel (Brie Larson) após destruir a inteligência artificial que governava a raça alienígena Kree, resultando numa escassez de recursos naturais, guerra civil e a morte do sol do seu planeta. A nova líder dessa sociedade, Dar-Benn (Zawe Ashton), procura vingança contra Danvers e justiça para o seu povo enquanto tenta recuperar a outra metade da bracelete quântica que está sob posse da super-heroína adolescente Kamala Khan (Iman Vellani). Denvers cria uma equipa com a sua sobrinha, Monica Rambeau (Teyonah Parris), e a jovem Kamala para consertar os seus erros do passado e encontrar a melhor solução para este conflito.
O maior ponto negativo neste filme está na personagem de Zawe Ashton. O vilão numa obra de super-heróis pode ser tão importante para a sua qualidade quanto o seu protagonista. Quando é bem desenvolvido, a ameaça pode ser tão realista que o público compadece e identifica-se com a personagem principal, ou, indo na direção oposta, ter um dilema moral e se identificar com o antagonista. Aqui, não ocorre nada disto. Na teoria, Dar-Benn é uma líder revolucionária que está a guiar um povo para a sua libertação mas o seu desenvolvimento é de uma tirania cuja personalidade rodeia apenas em destruir tudo o que a Captain Marvel ama. É unidimensional quando poderia ser profundo e cheio de camadas. Além disso, arrisco dizer que a sua identidade visual e a atuação da atriz são, possivelmente, as piores do universo Marvel.
Um defeito consistente nos filmes recentes deste estúdio é já não conseguirem funcionar individualmente, pois estão num universo compartilhado cheio de sequências. Se um espectador assistir The Marvels sem ver, no mínimo, as séries de televisão WandaVision (2021) ou Ms Marvel (2022), fica completamente perdido na apresentação das personagens Monica Rambeau e Kamala. Ao mesmo tempo, os filmes procuram compensar esses fragmentos perdidos de história com diálogos expositivos que quebram o ritmo da narrativa. O que resta são muitas personagens perdidas, mal contextualizadas e algumas até reduzidas a participações especiais completamente desnecessárias.
A realização e o argumento de Nia DaCosta é outra decepção, pois é uma cineasta talentosa com obras interessantes, como o remake de Candyman (2021). Neste filme, não existem traços da sua personalidade. Não há um aprofundamento de personagens ou construção de tensão, técnicas que a realizadora demonstrou saber desenvolver bem nos seus filmes anteriores. Além disso, a obra não funciona como género de ação pois a coreografia das lutas são desapontantes e sem inspiração; não funciona como uma comédia pois as piadas são fracas e pouco originais. Parece que o estúdio queria dar visibilidade para DaCosta, mas destituiu a cineasta de qualquer liberdade criativa, pois o argumento não conversa com a parte técnica, que não conversa com os actores, que também não conversam com a realização.
Há uma participação especial do popular actor sul-coreano Park Seo-joon, que sente-se como aleatória e deslocada. A história coloca uma pausa para Captain Marvel visitar um planeta onde todos os habitantes falam a cantar e a dançar. É uma estética carnavalesca estranha, a emular Bollywood só que a misturar diversos estereótipos exagerados de diferentes raças e culturas. Parece um episódio filler irritante de uma série televisiva que não faz a história avançar e termina de uma forma estranhamente insensível. Parece que esta situação foi colocada propositadamente para gerar conteúdo de media através da imagem de Seo-joon no filme.
A resolução é outro problema grave nesta produção. Denvers é torturada emocionalmente por começar esse conflito na raça Kree, porém, na luta final, uma resolução completamente plausível e condizente com os seus poderes é apresentada e a audiência tem de acreditar que esta protagonista nunca tinha pensado nesta ideia. Ou seja, pessoas morrem e sofrem por algo que podia ter sido resolvido facilmente no filme anterior da heroína.
The Marvels é um filme pobre e sem substância. Um produto efémero dentro de uma indústria cultural cuja preocupação é a produção massificada e o lucro, e não a qualidade da experiência. Não existe nenhum tipo de mensagem ou questionamento sobre a sociedade ou relações interpessoais, deixando um vácuo no lugar do desenvolvimento das suas personagens e do seu universo. Após ocupar diversas salas de cinema no mundo e tirar o espaço a outras obras realmente interessantes, The Marvels vai cair no ostracismo e mais ninguém irá se lembrar deste filme.
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[…] pois estes foram feitos com 1/15 do dinheiro usado no último “grande” filme da Marvel – The Marvels (2023). Se acham injusta a comparação com este título nem precisamos de ir tão longe e usar os […]