Um elenco com Denzel Washington, Jared Leto, e Rami Malek tem tudo para resultar num dos filmes do ano. Mas como para se conseguir um filme de inegável qualidade são necessários vários ingredientes e uma equipa vasta com igual competência, o trio não se revela suficiente para atingir o patamar esperado.
Joe “Deke” Deacon (Denzel Washington), um xerife atormentado pelo seu passado como detective é enviado para Los Angeles com a tarefa de recolher um conjunto de provas, e acaba por formar uma dupla inesperada com o detective Jim Baxter (Rami Malek) na tentativa de encontrar um serial killer que assombra a cidade.
A premissa automaticamente faz-nos recuar para thrillers dos anos 90, e a intenção pareceu mesmo essa (o enredo passa-se literalmente nos anos 90). Década que inclui o clássico Se7en (1995), provavelmente uma forte inspiração na escrita do argumento e na semente que continha o plano de filmagem. O que sucede é que o clássico de David Fincher tem todos os elementos do filme a remar para o mesmo lado, roçando a excelência, as interpretações marcantes de Kevin Spacey, Morgan Freeman, e Brad Pitt, estão seguramente bem presentes na memória de quem já o viu, tal como o final, as cenas mais marcantes, diálogos, a relação entre personagens, os cenários macabros, tudo fruto de um argumento extremamente rico, de uma realização primorosa, de uma edição que soube valorizar o material que tinha, e composição abraçada à tensão que o enredo nos fez sentir. The Little Things apesar do elenco principal contém uma edição apressada, que não deixa as cenas respirar, desperdiçando ironicamente os pequenos detalhes que nos fazem ficar ligados a uma história de suspense e mistério, tem um final não totalmente esperado que pende para o lado menos populoso das qualidades, poucas cenas de destaque, os diálogos são inconstantes, só melhoram com a entrada de Albert Sparma (Jared Leto), a relação entre personagens sabe a pouco, é subdesenvolvida, os cenários seguem um padrão de assassino sem um grande assinatura pessoal, e por fim a própria composição pouco acrescenta, e revela-se desconectada de uma sensação de tensão e perseguição crescente que se pedia para um thriller.
A razão para a edição parecer exageradamente apressada pode ter sido a duração do filme, que ainda assim ultrapassa as duas horas, numa tentativa desesperada de reduzir tempo e aumentar o ritmo da primeira metade, que nitidamente é menos interessante que a segunda. Mas mesmo na segunda metade notam-se sequências que se tornam estranhas por serem cortadas repentinamente para cenas que nos confundem, sem tal acontecer propositadamente, com a intenção de um puzzle a ser montado por nós, como em Enemy (2013) por exemplo. Na filmografia do argumentista e director John Lee Hancock sobressaem num passado recente The Founder (2016) e Saving Mr. Banks (2013), passando a ideia de que esta transição para um registo mais sombrio precisava de uma direcção mais personalizada e confiante para nos agarrar.
Referi acima que a segunda metade tem outro nível de interesse em relação à primeira, e isso deve-se sobretudo a Jared Leto. O actor e músico volta a criar uma personagem com perfil profundamente diferente do seu enquanto pessoa, numa transformação que já lhe valeu nomeações para os globos de ouro e SAG (Screen Actors Guild) como melhor actor secundário. Mais uma vez a psicopatia inspira uma performance magnética no cinema. Todas as pausas são música na partitura maquiavélica desta personagem, usando também a linguagem como arma, com um sentido de humor perturbador e penetrante. Esta metade também ganha por avançar finalmente o argumento, criando alguma dinâmica entre Deke e Baxter, importante para querermos de facto que encontrem o assassino em série, e que o mal não perdure.
Denzel Washington não falha uma nota interpretativa, eleva sempre todo e qualquer material, e aqui não é excepção, mesmo que tenham cortado vários fragmentos dele que só enriqueceriam o produto final. A naturalidade é um convite a nos esquecermos que estamos a assistir a um trabalho de um actor, e simplesmente conhecemos uma nova pessoa, neste caso Deke. Rami Malek foi convocado a partilhar cena com Mr. Washington, e como os últimos anos da sua carreira faziam antever, mostrou-se preparado. É pena que a parceria tenha sido prejudicada por opções de edição, o potencial era bastante grande.
Zodiac (2007), ou Insomnia (2002), além do já mencionado Se7en, têm também narrativas semelhantes, e aconselho para quem lhe apetecia mesmo um filme deste estilo, mas não viu os seus desejos saciados com The Little Things, ou não está convencido a vê-lo. Um final que abre portas para mudanças intrigantes nos protagonistas, e um antagonista carismático e perturbador não chegam para salvar o filme da mediania, e do defraudar de expectativas.