Foi em 2014 que começou a aventura de Kingsman, fruto de uma conversa de bar entre Mark Millar (famoso escritor de Comic books) e Matthew Vaughn (realizador da saga) sobre filmes de espiões e em como, actualmente, era tudo muito sério e pouco divertido. Sem dúvida uma provocação ao espião mais conhecido em todo o mundo, 007, e o facto de ter seguido o caminho da seriedade desde a entrada de Daniel Craig na franchise. Depois de Casino Royale (2006), Quantum of Solace (2008) e Skyfall (2012) o objetivo era mesmo esse, de descompressão e, acima de tudo, diversão.
A aposta foi bem-sucedida com excelentes retornos na bilheteira e boas críticas da imprensa e do público. Não foi por isso surpresa quando chegou a sequela, em 2017, com a habitual ordem de trabalhos de fazer mais e melhor, com a mesma fórmula. Os resultados de bilheteira foram igualmente impressionantes, mas a qualidade e ausência de fator surpresa deixaram um pouco a desejar. A saga, no entanto, tinha agora pernas para avançar e era uma aposta segura de investimento. O final da trilogia principal já está planeado, e entretanto foram criados spin-offs, do qual este The King’s Man: O Início faz parte.
The King’s Man: O Início, conta a história de como se formou a agência secreta Kingsman, no início do século XX, e a sua missão em proteger a humanidade. Uma associação criminosa planeia e arquiteta o início de uma guerra para destruir a humanidade e apenas os Kingsman a podem parar.
Deste grupo de criminosos fazem parte Rasputin (Rhys Ifans), Mata Hari (Valerie Pachner), Gavrilo Princip (Joel Basman) e Erik Jan Hanussen (Daniel Brühl), por exemplo. Para os conhecedores de história mundial, são nomes incontornáveis do início do século e muito associados a eventos ligados à Primeira Guerra Mundial. Do lado dos heróis encontramos Orlando (Ralph Fiennes) e Conrad Oxford (Harris Dickinson), pai e filho; e Polly (Gemma Arterton) e Shola (Djimon Hounsou) – empregados ao seu serviço. Vaughn e o seu co-argumentista Karl Gajdusek pretendem, com isso, esbater a realidade e ficção, e revisitar o passado histórico do mundo em que habitam os nossos heróis, criando uma dicotomia curiosa entre vilões reais e heróis ficcionados.
Os vilões surgem como caricaturas extremas, bem exemplificado em Rasputin – a dominar todas as cenas em que participa (queríamos bem mais) e em Erik Jan Hanussen, um vilão de papelão a que falta apenas o riso estridente para concluir esse quadro de exagero. Nas sombras habita o verdadeiro vilão que só conhecemos no final e cuja revelação tardia só o torna mais irrelevante e sem interesse. Teria sido bem melhor uma ênfase mais forte em Rasputin, personagem deliciosa no sempre insano e delirante Rhys Ifans. Do lado dos heróis apenas Ralph Fiennes tem espaço para marcar posição num mundo cheio de personagens de cartão.
Num filme de entretenimento, não há problema em dar primazia à ação e ao desenrolar da história em detrimento da seriedade e criação de personagens. Há inteligência em dar aos fãs mais lutas épicas, mais perseguições delirantes (no céu, mar e terra), mais pontos de vista inusitadas (os efeitos de câmara e efeitos especiais são diversos e originais) e situações mirabolantes impossíveis de descrever. Não há um momento aborrecido à vista e por isso perdoa-se a leviandade no tratamento das personagens e nas emoções dos protagonistas. Um dia estão absolutamente devastados física e mentalmente, no outro estão a dar triplas piruetas e a aterrar de pé em cima de um alfinete enquanto salvam o mundo das garras do mal. Ninguém se importa porque só estamos mesmo aqui para isso, provando que a visão de Vaughn e Millar sobre este universo continua bem clara.