A verdadeira garra de ferro
Para muitos o mundo do pro wrestling é bastante confuso. Um bando de pessoas bombadas que fingem andar à porrada e chamam àquilo competição ou desporto. Fica ainda mais confuso com a seriedade com que os norte-americanos levam tudo isto, como se fosse uma questão de vida ou de morte, como se fosse a única forma de viver. The Iron Clawé uma longa-metragem sobre uma das mais icónicas famílias do pro wrestling americano: os Von Erich. Esta história tem como figura central Eric, interpretado de forma surpreendente por Zac Efron. É nada mais, nada menos, que a história de vida desta família e da sua suposta – ou não tão suposta – maldição.
“The Iron Claw” remete ao signature move que Fritz Von Erich (Holt McCallany) – pai desta família – era conhecido por fazer para incapacitar os seus adversários. Imortalizou esta deixa e passou-a para os seus filhos que rapidamente, e com mais ou menos apreensão, seguiram as suas pisadas no mundo exagerado do desporto de entretenimento. A questão é que esta expressão, se bem que de uma forma pouco subtil, é por si só um símbolo da mão de ferro que Fritz levava na sua família. O legado que se deixa e a responsabilidade de seguir os sonhos de outros, são as palavras-chave aqui, e supostamente muito do que atormentou todos os membros dos Von Erich. E talvez ainda atormente.
Para fãs de pro wrestling, é giro ver a representação fiel da era de ouro desta competição, com os anos 80 bem vivos em todos os aspetos do filme. É bastante realista na forma como apresenta as performances que estes atletas criam, bem como as pequenas amostras do que se passa por trás das cortinas, dos ringues e das cuecas de licra. Podemos ver algumas idiossincrasias do antes e depois de um combate, o que implica a criação de um espetáculo inteiro, os balneários, a constante vida em viagem, e mesmo até a gravação das conhecidas “promos”, os momentos quando os wrestlers mandam bocas uns aos outros.
Tudo isto é pintado numa tela muito bonita, com uma cinematografia equilibrada e que apela ao olho, mas que apesar de representar esta era com o orgulho de um realizador que é fã do desporto, tem o seu peso e o seu negrume. Isto porque na verdade o filme nunca se esquece que é uma história sobre uma família atormentada e não deixa que o cenário que usa para a contar se sobreponha ao valor emocional que tem.
A cultura americana está muito enraizada em fanatismos e superlativos constantes, mas vê-los tão presentes na dinâmica de uma família, especialmente de um pai para os seus filhos, é quase chocante. Num caso onde o pai diz deliberadamente aos seus filhos qual o ranking dos seus favoritos e onde a sua obsessão pelo sucesso neste negócio se sobrepõe ao amor que lhes devia dar, vamos percebendo onde os problemas surgem. As ilusões de grandeza sempre assolaram Fritz, algo que foi tentando passar para os seus filhos. Muitos deles foram forçados a desistir dos seus próprios sonhos de vida para seguirem, com uma lealdade cega, o que o pai lhes dizia. Mas Eric não. Eric nunca conheceu mais nada senão a mesma obsessão que o pai, levando a que a única coisa que lhe interessa seja os irmãos e o pro wrestling. O conflito do filme jaz precisamente nesta batalha interna que Eric enfrenta na sua vida e que representa os valores que esta história decide abordar.
Eric tenta construir a sua própria vida e a sua própria família, tentando, por brechas, ser o seu próprio homem. Mas nunca consegue largar o amor e lealdade que tem pelos seus irmãos, mãe e pai. Mesmo quando esse amor é do mais tóxico que pode existir e acabando por ignorar todo o mal que esta forma de vida lhe faz, tanto a si próprio como a todos que o rodeiam. No meio das maiores tragédias que formam a “Maldição dos Von Erich” e da forma como essas tragédias são maltratadas ou ignoradas pelos seus pais, Eric continua vidrado em conseguir a aprovação do seu progenitor, aprovação essa que não consegue perceber que nunca vai chegar. No seio da ambição, da ganância e dos ciúmes que o seu pai impinge na sua família, Eric é uma pessoa que luta para se libertar de uma vida feita pelos sonhos dos outros. Feita para servir e satisfazer o que outros não conseguiram, sem nunca se impor por si próprio.
Num drama que consegue ser tão ponderado e potente ao mesmo tempo, as performances dos atores são pedra e cal para a história ganhar vida. Todos se apresentam no seu melhor, desde cameos às personagens principais. Jeremy Allen White e Harris Dickinson demonstram mais uma vez porque são dos atores mais acarinhados do presente e futuro, mas a ribalta desta vez vai para Zac Efron, que segurando o papel principal do filme, consegue leva-lo às costas e, diga-se, a bom porto. Zac surpreende tudo e todos com uma interpretação completa, rica e cheia de camadas, dando corpo a um homem que segura mundos e fundos e que alberga uma guerra inteira no seu interior, mas que nunca se deixa vergar devido à masculinidade tóxica em que cresceu. A sua personagem é rígida e aparentemente estática emocionalmente, mas por trás dos olhares e dos silêncios, está um mundo em tumulto e a performance de uma vida.
The Iron Claw é um filme extremamente sólido, credível e que consegue entregar o seu murro emocional de forma convincente. Apesar de um ritmo que acusa estranheza e a tentativa de lidar várias frentes biográficas e ficcionais que se provam trabalho a mais, é uma experiência que tanto fãs de pro wrestling como espectadores casuais podem e até devem visualizar. A sua voz sobre trauma geracional, quebra de ciclos negativos e masculinidade tanto tóxica como saudável, ganha força e deve ser ouvida pois é tão ou mais interessante que os saltos e piruetas que fazem das cordas.