The Irishman (2019)

de Guilherme Teixeira

Realizado por Martin Scorsese e com o argumento assinado por Steven Zaillian, The Irishman é baseado no livro I Heard You Paint Houses de 2004, escrito pelo investigador e advogado Charles Brandt, e conta a história de Frank “The Irishman” Sheeran (Robert De Niro) desde o tempo em que era um mero camionista, passando pela ascensão no mundo do crime organizado, até aos seus últimos dias.

The Irishman provou que pouco importa a duração de um filme se por detrás das câmeras tiver alguém que sabe contar uma história como nenhum outro. São 3h30 minutos de duração que passam a voar e cada minuto é devidamente justificado.

Scorsese tem um controlo tal sobre a narrativa que chega a dar-se ao luxo de usar flashbacks/flashforwards dentro de flashbacks sem deixar a história ficar confusa ou que fique aquela sensação que o recurso está a ser usado por mero capricho ou exuberância. Na verdade é fulcral para compreender certos acontecimentos que o filme tenta explorar no momento ou no futuro, como a relação entre Frank e a sua filha Peggy, o primeiro contacto com o mundo do crime ou o contexto político da época.

O argumento também é de uma impecabilidade ímpar. Melhor que diálogos marcantes – que, por sinal, está cheio deles – é quando um filme consegue transmitir uma mensagem através de poucas ou nenhumas palavras e em The Irishman o silêncio é quase ensurdecedor. O que salta mais à vista é o silêncio da filha de Frank, Peggy (interpretada por Lucy Gallina, enquanto jovem e Anna Paquin, na fase adulta) que sem dizer nada consegue mostrar o desprezo que sente pelo seu pai e por Russell (Joe Pesci), o seu tio e chefe da família Bufalino, apenas com o olhar que varia entre o medo e o ressentimento. Temos também o exemplo do próprio Russell, que mostra a sua sabedoria e poder não por aquilo que diz, mas por aquilo que deixa por dizer. Provavelmente, um dos melhores papéis da carreira de Joe Pesci, que aqui se mostra mais contido, mas incrivelmente ameaçador, pois consegue construir um personagem que, por um lado, serve de porto de abrigo, mas, por outro lado, esconde o enorme preço que faria qualquer pessoa reconsiderar afundar o barco. Na contramão temos Al Pacino com uma atuação mais eufórica na pele de Jimmy Hoffa. Pacino conseguiu construir um Hoffa que navega entre o confiante, carismático e ciente da sua situação, porém, cego pelo orgulho e preso à ideia daquilo que outrora foi.

Os voice-overs também são muito bem executados e casam perfeitamente com alguns diálogos de forma a destacar alguma situação, mas também para explicar alguma informação em falta, sem nunca parecer demasiado expositivo, pois tudo o que é dito o filme acaba por, mais tarde ou mais cedo, mostrar ou deixar subentendido.

Outro ponto bastante interessante é o facto do drama desta história focar-se imenso na forma como a vida da máfia mexia e afetava não só aqueles que escolheram enveredar pelo mundo do crime, mas também todos aqueles que os rodeiam e que pouco ou nada tinham a ver com o assunto. É um olhar mais íntimo da vida do crime organizado, mostrando à audiência a influência que as máfias têm na sociedade e também a forma de funcionar destas famílias, conjugado com um olhar profundo na moralidade daqueles que a vivem. O exemplo mais notório de tudo isto é o nosso protagonista Frank, que, mesmo tentando servir de diplomata, quando o assunto é matar, apesar de se mostrar desconfortável, nunca hesita em fazer o trabalho, nem sequer considera sair daquela vida, pois, por muito mau que seja, todo o poder que vem com ela é bastante apelativo, mesmo que muitos não cheguem para contar a história.

The Irishman é indiscutivelmente o melhor filme sobre máfia da filmografia de Scorsese e, consequentemente, um dos melhores da sétima arte. É um misto de uma perfeita realização, que controla a história de forma incrível e que sabe usar as referências às outras obras do género para se engrandecer, aliada a um excelente argumento e uma montagem que sabe sempre o exato momento para abrandar ou acelerar, construindo assim um arranha-céus emocional impossível de deitar abaixo, a não ser pela própria história. É um filme que narra uma vida, e tal não seria se não conseguisse espelhar a finitude e o preço a pagar quando achamos que podemos vencer tudo, inclusive o tempo.

5/5
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