Matt Damon e Casey Affleck protagonizam uma comédia realizada por Doug Liman, realizador de The Bourne Identity (2002). Até aqui, tudo bate certo: dois amigos de longa data com provas dadas em Hollywood, a parceria Matt Damon-Doug Liman que deu origem a uma saga que para muitos rivaliza com 007, um elenco que inclui actores bastante respeitados na indústria, nomeadamente Alfred Molina, Toby Jones, Michael Stuhlbarg, Ron Perlman, Ving Rhames e Hong Chau, um argumento co-escrito por Casey Affleck, produção de Ben Affleck, enfim… tudo na liberdade familiar de se criar o que se pretende.
No entanto, a intenção pareceu mais criar um pretexto para todos passarem tempo juntos e se divertirem, do que propriamente apontar para as estrelas. E não há nada de errado nisso quando, ainda assim, se entrega um produto de qualidade. Só que as expectativas são “serial killers” no cinema, assassinam aquela esperança que alimentamos de que o próximo filme vai ser o tal, aquele que nos fará regressar à sensação de deslumbre absoluto que vivenciámos aquando da visualização de um filme do género com o qual já nos preparávamos para associar ao nível deste novo. É um tiro no sonho quando percebemos que os filmes com os quais iremos comparar o The Instigators não serão o Die Hard (1988), Ocean’s Eleven (2001), ou In Bruges (2008), mas sim filmes que até apreciámos, cujos títulos e enredos já estão algures perdidos e misturados na pilha de memórias cinematográficas de domingo à tarde que acumulamos ao longo da nossa existência.
Rory (Matt Damon) encontra-se numa situação delicada com apenas uma solução à vista: 32.480 dólares para poder voltar a ver o filho. Cobby (Casey Affleck) vive à deriva, no limite entre o álcool e o crime, com um sentimento de desapego a tudo o que o rodeia. Um está focado no seu objectivo, mas nunca pensou ter de roubar para o alcançar, o outro está habituado a cometer ilegalidades, mas já há muito que não tem um propósito maior do que manter os seus vícios. Rory é honesto e ingénuo, Cobby é uma metralhadora falante, disparando pensamentos através da boca com uma velocidade digna de um recorde do mundo batido nos Jogos Olímpicos. As circunstâncias ditam que terão que formar uma dupla. O contexto diz que os contrastes entre as personagens são o combustível para a história avançar.
Uma buddy comedy interpretada por dois actores com química comprovada promete oferecer momentos que navegam entre a gargalhada e o entretenimento. Isso de facto acontece nesta nova aposta da Apple TV. O ritmo é agradável, não é demasiado longo, a linguagem é tipicamente de Boston, portanto a praia dos seus protagonistas, personagens secundárias com espaço para brilharem e vários diálogos bem conseguidos. Há competência espalhada por todo o filme, isso é inquestionável, porém não chega a ter profundidade na mensagem final que quer transmitir, nem nos liga com intensidade suficiente às personagens para nos entregarmos à narrativa como se se tratasse do destino de pessoas que são importantes para nós. O que sucede é que a certo ponto, quando entramos no último acto, estamos a passar um bom serão, contudo não interessa muito o que se vai passar com Rory e Cobby, nunca nos desligamos do facto de estarmos a ver um filme.
Convém salientar o elenco complementar, que é de elite e corresponde com performances à altura, não havendo naturalmente tempo suficiente para mais do que duas ou três cenas de destaque para cada um, mas o que importa é a qualidade, não a quantidade. Foi bom ver Ving Rhames fora do universo Mission: Impossible (1996-2018), Michael Stuhlbarg a divertir-se à brava com o seu Mr. Besegai intratável e sem escrúpulos, e Toby Jones porque, em boa verdade, um Toby Jones em cada filme… não sabe o bem que lhe fazia. Já a terapeuta Rivera interpretada pela nomeada a Óscar Hong Chau acaba por comparticipar um medicamento nocivo para a história, atendendo que a sua relação com o paciente Rory é simplesmente estranha e injustificada até ao fim. Nada sustenta as atitudes da Dr. Rivera perante os acontecimentos daquele que é, para todos os efeitos, só mais um paciente seu. Poderia ser levado para o nonsense, sim, todavia a questão é que The Instigators é uma comédia e um heist movie sem apostar todas as fichas em nenhum dos estilos, portanto a possibilidade dessa relação ser nonsense perde força, sobretudo se comparada com a hipótese mais forte, a de que a conexão entre os dois é conveniente para efeitos de conflito e humor.
Um filme para ver em modo streaming quando não houver mais nada de entusiasmante disponível, é o provável destino desta comédia. Tem genuinamente piada a espaços e não há nada a dizer sobre o leque de actores e respectivas interpretações, mas podia ser bem melhor. Isso por si só acaba por desvalorizar o resultado final.