The Idea of You (2024)

de Francisca Tinoco

Muito do burburinho à volta de The Idea of You provém da relação entre o filme e um certo ídolo da música pop de quem tu, querido leitor, talvez já poderás ter ouvido falar. O filme, que estreou na Prime Video a 2 de maio de 2024, retrata uma história de amor entre Solène (Anne Hathaway) – uma mulher de 40 anos divorciada e mãe de uma ex-superfã duma boysband fictícia chamada August Moon – e o líder dessa mesmíssima banda, chamado Hayes Campbell (Nicholas Galatzine). Rumores de que o livro que o filme adapta, escrito por Robinne Lee, surgiu inicialmente como fanfiction sobre Harry Styles, na sua fase One Direction, puseram The Idea of You automaticamente nas bocas do mundo, que é como quem diz: da internet.

Galatzine – britânico, cantor, e o mais recente prodígio da comédia romântica – aparece no filme coberto de tatuagens e vestido de modas boho-chic que, por muito que a equipa por trás do filme negue, remetem imediatamente para Styles e abrem uma conversa descarada com aqueles que, como eu, acompanhavam a sua carreira enquanto membro da banda-fenómeno britânica. Apesar deste ser um aspeto que vale a pena ressaltar devido à publicidade gratuita que trouxe ao filme, é, na verdade quase ingrato reduzir o produto que o realizador, produtor e coargumentista de The Idea of You, Michael Showalter, aqui propõe a esta conexão com Harry Styles. Não podendo expressar uma opinião sobre o livro, uma vez que não o li, ao ver The Idea of You fica claro que a musa de Showalter aqui é Hathaway e não Galatzine.

O coração do filme não é o romance, mas sim a viagem emocional da protagonista. Solène conhece Hayes quando, sem querer, entra na sua caravana enquanto procurava pela casa de banho VIP no festival de música americano Coachella, onde os August Moon eram cabeça de cartaz. O motivo pelo qual ela se encontrava no festival contextualiza aquele primeiro encontro não enquanto o início de uma grande história de amor, mas sim enquanto o catalisador de uma mudança de ritmo e atitude de que a vida de Solène estava mesmo a precisar. 

Isto para dizer que o aspeto romântico é inteiramente secundário no filme. O que realmente importa é assistir à evolução e renascimento desta mulher que bem podia ter sido motivada por qualquer outra coisa ou outra pessoa. Para além da forma como a história nos é apresentada, também a prestação de Anne Hathaway contribui de forma definitiva para esta leitura do filme. A belíssima atriz de 41 anos, que já é uma presença constante nos nossos ecrãs desde os seus 17 anos, prova mais uma vez porque é que é uma das grandes estrelas do cinema americano, trazendo para esta personagem uma profundidade e honestidade que são quase desarmantes perante o género em que o filme de enquadra. 

A escola de Hathaway, enquanto estrela de filmes como The Princess Diaries (2001), Love & Other Drugs (2010), e One Day (2011), permite-lhe devolver à comédia romântica uma sinceridade e realismo que têm estado em falta na última década, salvo algumas pontuais exceções. Mas Hathaway não conseguiria entregar o nível de atuação que aqui entrega se não tivesse alguém como Showalter, cineasta responsável por filmes como The Big Sick (2017) e Hello, My Name Is Doris (2015), por detrás da câmara. O realizador, sem qualquer dúvida, reconhece que tem ao seu dispor uma das mais carismáticas e doces atrizes da sua geração, dando-lhe espaço e oportunidade para exercitar todos os seus talentos sempre que pode. 

A câmara de Showalter é, tal como a atuação da sua protagonista, surpreendentemente intimista. O realizador opta por repousar a câmara em Hathaway nos momentos de mais tensão emocional, enquanto a atriz conta o resto da história com as suas expressões faciais. Mesmo momentos de diálogo mais fraco ou artificial são salvos pelas escolhas de bom gosto desta dupla que espero ver colaborar de novo no futuro. 

Infelizmente, Galatzine que tanto brilhou em filmes como Red, White & Royal Blue (2023) e Bottoms (2023)acaba por não conseguir contribuir o suficiente para a sua personagem, e para o filme, para sair da sombra da sua parceira de cena. Talvez se possa interpretar a sua acatada performance como um ato de cavalheirismo para não roubar protagonismo a Hathaway, uma vez que a associação da sua personagem a Harry Styles já tinha tomado conta da discussão pública sobre o filme. No entanto, parece-me mais realista avaliar a sua prestação como sintoma de alguma falta de aptidão para assumir papéis de maior envergadura. O ator é charmoso e naturalmente engraçado, conseguindo brilhar em cenas que pedem leveza e flirt, mas fica marcadamente aquém de Hathaway em momentos emotivos e carregados. 

Ainda assim, a dinâmica entre os dois é bastante feliz. Os dois atores têm química e o argumento confere complexidade suficiente às duas personagens para tornar o filme empolgante, desenvolvendo, no espectador, apego e investimento na história e no seu desfecho. Sòlene é igualmente destemida e constrangida, navegando a maturidade que vem com a sua experiência de vida e a impulsividade que vem da vivência de uma história de amor tão espetacular e apaixonante. Já Hayes tem “sumo” suficiente para ser mais que um menino-bonito – também ele mostra momentos de maturidade e inteligência, mesmo dentro de ambientes que incentivam ao contrário. 

No entanto, por muito que no papel estas duas personagens sejam cativantes, acabam por ser prejudicadas por uma narrativa mais próxima do conto de fadas e da fanfiction do que da realidade e diálogos, certamente emprestados do livro, que, provavelmente ninguém alguma vez diria em voz alta num cenário verdadeiro. Também as cenas de sexo, que vingam na forma como apresentam, sem vergonha, a sexualidade de uma mulher mais velha, acabam por, como o resto do filme, ser demasiado encenadas e embelezadas. Por oposição, são os momentos anteriores ao sexo, baseados no toque, na tensão e no olhar, que Showalter filma melhor e em que a química entre Hathaway e Galatzine mais brilha. 

The Idea of You é mais um título recente a mostrar que a comédia romântica, com todos as suas qualidades e defeitos, depois de um período longo de dormência, está viva e recomenda-se. Especialmente quando é protagonizada por Anne Hathaway.

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