Heiny Srour foi a primeira mulher Árabe a ver o seu filme escolhido para integrar o festival de Cannes corria o ano de 1974. Foi preciso caminhar centenas de quilómetros por deserto e montanha para a realizadora libanesa conseguir acompanhar o movimento anticolonial que surgiu em Dhofar e se insurgiu contra o regime do Sultão do Omã apoiado pelo império britânico.
The Hour of Liberation Has Arrived oferece um lado do Golfo Pérsico que precisa ser visto, e que nesta altura se torna particularmente relevante após a revolta que tomou o Irão em 2022. O relato de Srour mostra que estas populações, especialmente as mulheres, não são membros passivos e silenciados por uma opressão cultural eterna, e são sim parte integrante da luta pela liberdade de comunidades que foram década atrás de década esmagadas pelo imperialismo do Ocidente e pelo fundamentalismo religioso sustentado pelo primeiro.
Juntam-se imagens de arquivo, fotografias das ruas do Omã e filmagens dos campos de treino da Frente Popular para Libertação do Omã e do Golfo Pérsico absolutamente impressionantes para eternizar uma história que os livros lentamente têm deixado cair no esquecimento. Acompanhamos esta frente de libertação enquanto quebram barragens e constroem estradas que permitem a circulação e distribuição de recursos de forma justa e comunitária, sendo que várias vezes somos confrontados com vastos círculos de jovens e crianças a discutirem entre si a maneira mais democrática e justa de decidir as mais pequenas coisas, seja a colocação dos alimentos ou quem dorme ou não dorme nas tendas.
Nesta área liberta de Dhofar vemos estabelecido um regime democrático, socialista e feminista. Vemos mulheres a combater lado a lado com os homens, num espaço onde se vêm pela primeira vez a serem tratadas como iguais, de espingarda às costas e a aprender a ler a escrever num salto civilizacional tal que faria corar muitos países ditos progressistas durante os anos ’70. Esta revolução é implacável na batalha armada, mas Srour mostra-nos que esta revolução é, acima de tudo, concretizada na educação, no sentido de justiça e na igualdade, concretizados com conquistas e reformas sociais que o tempo quase esqueceu, mas que a restauração feita por Nadi Lekol Nas permite manter viva.
Este é um cinema que se tem tornado particularmente necessário ao longo dos últimos anos e relembra-nos que as pequenas vitórias sociais são de tal forma frágeis que com um sopro de intolerância, tiranismo e misoginia, desaparecem da memória coletiva, como se nunca tivessem acontecido. Heiny Srour captou na sua câmara um fulgor da humanidade, um contra-ataque histórico contra o imperialismo que, apesar de revertido, serve para nos inspirar a todos sobre aquilo a que podemos aspirar como sociedade, que se quer justa e igualitária, e que, um bilionário e um airbnb de cada vez, está cada vez mais e mais afastada dessa utopia.