O candidato da Itália para os prémios da academia de 2022, The Hand of God (È stata la mano di Dio) é realizado pelo já consagrado Paolo Sorrentino e conta a história de um rapaz, Fabietto Schisa (Filippo Scotti), que fica empolgado com os rumores da transferência da lenda do futebol Diego Maradona para o seu clube de coração, o Nápoles. Transcendendo claramente a temática futebolística, este coming-of-age semi-autobiográfico acarreta consigo o peso da superação de um trauma e, obviamente, as ansiedades da adolescência.
O filme começa bem, apresentando com o ritmo certo a dinâmica da família mais próxima de Fabietto e depois os restantes membros familiares. Consegue ser subtil ao apresentar alguns problemas que mais tarde voltam para abalar aquela família, ainda que ao início pareçam não ter relevância, o que contribui para a montanha russa de emoções muito presente nesta longa-metragem. Em momentos sentimos que está tudo bem e somos carregados e incluídos nesta alegria familiar, para rapidamente sermos confrontados com adversidades, cuja audiência não tem como fugir.
O teor da história é bastante intimista. Percebe-se que vários momentos têm um caracter bastante pessoal para o realizador, o que rende as melhores cenas, principalmente, na dinâmica entre pai e filho muito presente na primeira parte do filme. Porém, The Hand of God sofre imenso com o enorme leque de personagens em relação à duração do filme. Podia não ter sido um problema se o realizador simplesmente tivesse estabelecido quem seria o núcleo principal da história e o secundário, o problema é que ele não deixa isso claro e quando achamos que alguém vai ter um contributo importante para o filme ou que vão influenciar de alguma forma o Fabietto, acabamos por nos dececionar pois essas personagens desaparecem e, por outro lado, outras são introduzidas para dar lugar a boas cenas, confesso, mas que no geral do filme não se encaixam como deve ser. É uma constante sensação de que algo está a faltar e que em momento algum o realizador preenche esse buraco.
Talvez a verdadeira questão tenha mesmo sido falta de foco. A ideia de que as cenas isoladas funcionam, mas que no geral não se conectam, confirmou-se com o decorrer do filme. São tantos arcos narrativos envolvendo tantos personagens, que chega a um ponto, nomeadamente nos últimos 30 minutos, que Sorrentino tenta conectar tudo à pressa, fazendo com que a história perdesse toda a sua força.
Na sua generalidade, o elenco principal é bastante competente, com destaque para o protagonista Fillipo Scotti, que entrega um personagem em fase de crescimento, e é o único que merece algum tipo de empatia por parte do público. Conseguimos ver e sentir tudo o que ele sente através de pequenos gestos e atitudes, o que torna a tarefa de simpatizar com o jovem Fabietto bem mais fácil. O restante elenco torna-se cada vez menos importante ao longo do filme, tornando-se difícil relacionarmo-nos com todos os personagens.
Falando de aspetos técnicos, o filme tem claramente um charme muito próprio. A fotografia e a montagem trabalham de forma fabulosa para criar uma sensação de desconexão com a realidade, retirando a incrível caricatura de cada situação apresentada durante o filme, muitas vezes com o recurso a ângulos abertos que fazem com que os personagens pareçam uma miniatura em relação a tudo o que os rodeia; ou a utilização de ângulos incrivelmente simétricos que contribuem sempre para aquele sentimento que tudo está demasiado alinhado e ao mesmo tempo desalinhado; e os cortes feitos na altura certa que extraem da melhor forma as reações dos personagens perante as situações inusitadas; e também a utilização de humor visual de qualidade. De destacar ainda, o design de produção que conseguiu construir de uma forma bastante credível e competente a Itália da década de ’80 e a banda sonora que carrega consigo grande parte da carga dramática, principalmente, na segunda metade do filme.
The Hand of God é um filme bastante pessoal, com uma ótima mestria técnica e bons momentos em termos de narrativa, principalmente na primeira parte. Nos últimos minutos Sorrentino faz uma belíssima declaração de amor ao cinema, porém o filme no seu todo falha estrondosamente em conectar e em desenvolver todos os arcos narrativos a que se propõe.