The Gorge (2025)

de Bruno Sant'Anna

O género de ficção científica tem sido amplamente explorado ao longo das décadas, muitas vezes utilizando cenários isolados para refletir sobre a natureza humana. Filmes como Annihilation (2018), The Thing (1982) e The Mist (2007) destacam-se ao usar diferentes tipos de criaturas e ameaças desconhecidas para levantar questões existenciais e psicológicas. Ao contrário dessas obras, The Gorge não se destaca pela criatividade, parecendo uma amálgama de muitos destes filmes, porém sem personalidade visual e de argumento. Além disso, carrega no seu ADN uma mistura estranha com romance adolescente, o que compromete ainda mais a sua identidade.

A narrativa acompanha Drasa (Anya Taylor-Joy) e Levi (Miles Teller), dois snipers de elite encarregados de vigiar um desfiladeiro misterioso. Com comunicação restrita e uma ameaça desconhecida escondida abaixo deles, as personagens desenvolvem uma ligação emocional enquanto lidam com o isolamento e os perigos ao seu redor. No entanto, ao contrário dos filmes que inspiram a sua atmosfera, The Gorge perde-se ao tentar equilibrar ação, romance e terror sem dar profundidade suficiente a nenhum desses aspectos.

O maior problema do filme está justamente na sua tentativa de misturar romance com ficção científica. As cenas românticas destoam do clima de tensão e seriedade que o enredo deveria sustentar. Além disso, a maneira como as interações entre as personagens são construídas parece imatura, fazendo lembrar um videoclipe antigo da cantora Taylor Swift. O resultado é um tom artificial e até constrangedor, especialmente ao imaginar os atores a interpretarem essas cenas diante das câmaras. Pior ainda, esse romance acaba por servir de gatilho para o verdadeiro conflito do filme, mas de maneira questionável e sem grande impacto narrativo.

Um aspeto curioso, no entanto, é a forma como The Gorge parece brincar com as carreiras dos seus protagonistas. Há cenas em que as personagens tocam bateria, o que remete ao papel de Teller em Whiplash (2014), enquanto noutras os mostram a jogar xadrez, referência direta à série The Queen’s Gambit (2020), protagonizada por Taylor-Joy. Até mesmo as sequências de conflito com as criaturas misteriosas remetem ao segundo filme da saga Alien (1986), e não por acaso, Sigourney Weaver faz uma participação especial nesta longa-metragem.

A realização fica a cargo de Scott Derrickson, cineasta conhecido pelos seus filmes de terror mainstream. Já entregou obras criativas e memoráveis, como The Exorcism of Emily Rose (2005), Sinister (2012) e The Black Phone (2021), mas também fracassos como Hellraiser: Inferno (2000) e The Day the Earth Stood Still (2008). Aqui, além de falhar na harmonia entre a ficção científica e o tom mais leve do romance, Derrickson peca na criatividade, especialmente na concepção visual das criaturas, que parecem um Frankenstein de ideias de filmes melhores, sem adicionar nada de novo ao género.

Embora o início da história tenha um tom de mistério envolvente, a sua estrutura narrativa apresenta problemas. O início, o meio e o fim parecem pertencer a filmes diferentes, resultando em muitas quebras de ritmo. Além disso, há explicações genéricas para eventos importantes e resoluções inverosímeis, culminando num final questionável. Outro aspeto que compromete a experiência é a edição, que recorre a cortes grosseiros mesmo quando a narrativa pede transições mais suaves, como nas passagens de tempo.

No fim, The Gorge parece mais um descarte de catálogo em que a Apple TV imaginou que fosse ter um grande filme, mas decepcionou-se com o resultado final. Para quem aprecia cenários misteriosos e tensões psicológicas, a longa-metragem pode valer uma sessão, mas não entrega nada além do convencional. Com um desenvolvimento mais coeso e uma ameaça mais bem trabalhada, poderia ter sido um filme memorável.

2.5/5
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