The First Slam Dunk (2023)

de João Iria

Slam Dunk, uma obra criada e ilustrada por Takehiko Inoue, é um dos maiores sucessos de anime e mangá, de sempre. A história de um adolescente delinquente, líder de um gangue, Hanamichi Sakuragi, que decide juntar-se a uma equipa de basketball para conquistar a rapariga dos seus sonhos, transformou-se numa das narrativas japonesas de desporto mais populares do mundo, conquistando audiências através da sua potente natureza visual e da intensa emoção inserida nas suas linhas, palavras e arte, com personagens que saltam além das páginas para os corações dos apaixonados leitores. Não existe outra maneira de descrever Slam Dunk senão como simplesmente charmoso, capaz de derreter indivíduos gélidos perante este meio de expressão artística literária cultural. É justamente considerado o melhor mangá e anime de desporto existente; aliás como o definitivo do género.

The First Slam Dunk marca o regresso desta franchise, após cerca de 26 anos, aos cinemas com uma exímia vitória, digna de aplausos e de uma ovação duradoura. Surpreendentemente, esta longa-metragem é escrita e realizada pelo próprio Takehiko Inoue, um feito raramente avistado nestas produções e adaptações para o grande ecrã, destacando o seu interesse pessoal em contar uma história inédita dentro do seu universo e a sua vontade em explorar um novo ambiente de animação, anteriormente impossível para o artista. Os traços são, maioritariamente, substituídos por CGI, elaborando uma combinação entre animação 2D – para os momentos separados da competição – e 3D para o jogo principal e todos os instantes situados num campo. Inicialmente, admito, é uma decisão que obstrui o valor de entretenimento e sobressai como uma distração, particularmente nas multidões isentas de rosto ou expressão, semelhantes a NPCs. Manter os figurantes como visualmente irrelevantes, como cortinas nos cenários destas narrativas, é comum nas séries de anime e, obviamente, uma escolha artística propositada. Contudo, neste meio de animação CGI o seu elemento distrativo ganha poder, afetando o seu impacto preliminar com uma preocupação acerca do seu restante caminho audiovisual. Um receio natural pois a utilização deste formato neste género apresenta infrequentes resultados estrondosos e um excessivo número de desastres embaraçosos. Imediatamente, essa ansiedade acerca de extras imobilizados designados como bonecos sem expressão desvanece pelo suor dos seus jogadores. Antes do segundo acto, o núcleo dramático na vida destas personagens desliga a atenção deste humanos robóticos e somos capturados, espontaneamente, pela alma do jogo. Em meros minutos, o filme seduz-nos completamente com uma introdução absolutamente espectacular ao seu elenco, originados com linhas e rabiscos em movimento, nascidos através do desenho e evoluindo, com cada passo, para a sua derradeira forma personificada na decisiva partida deste campeonato, ao som de Love Rockets, dos The Birthday. Uma vertente metafórica poderosa sobre uma equipa de jovens perdidos a atingirem o seu potencial no campo. A vontade é, genuinamente, de levantar do assento e exclamar o nosso apoio com a potência enérgica de uma Swiftie, como se estivéssemos a viver dentro do próprio anime.

Inoue oferece outro componente imprevisto à sua longa-metragem. É uma adaptação, especificamente, da climática competição narrativa do seu mangá com uma perspectiva diferente e a adição de um epílogo desconhecido e diversos elementos originais ao seu universo. Como mencionado no primeiro parágrafo, Slam Dunk é a história de Hanamichi Sakuragi. The First Slam Dunk escolhe colocar os holofotes em Ryota Miyagi (Shugo Nakamura), que ocupa a posição base na equipa, e na sua viagem emocional durante a final do Campeonato Nacional Inter-Escolas. Uma personagem com um título secundário na série original ascende das bancadas para o papel de protagonista. Como uma estrela cadente à procura de equilibrar a sua dor com o seu fado, Miyagi carrega a morte do seu irmão mais velho, Shota, no seu corpo e no seu destino, perseguindo o seu sonho de ser um jogador de basketball profissional. Para o jovem, esta é a única maneira de aproximar-se do seu falecido irmão, sentindo a sua presença na sua pele e no seu futuro. Para a sua mãe, que lida com o seu sofrimento sozinha, em silêncio, esta decisão é apenas uma recordação do filho que perdeu. Miyagi depara-se, então, com um dever incapaz de cumprir emocionalmente: a exigência de funcionar como uma base para a sua equipa, que depende da sua agilidade e esperteza para segurar o grupo, e como uma base para a sua família destruída pela mágoa, presa num vácuo sentimental. Uma responsabilidade que suplica ao adolescente para esconder a sua ansiedade dentro do corpo, transportando esta para a bola.

Sakuragi permanece essencial para este enredo pois a sua definitiva disputa sucede praticamente idêntica às páginas do seu mangá. Neste aspecto jaz uma das suas barreiras dramáticas. The First Slam Dunk funciona simultaneamente para os fanáticos admiradores desta saga como para um novo público, desprovido de familiaridade perante esta história. Ao colocar o cerne emocional desta narrativa numa personagem anteriormente secundária mas escolher preservar os restantes rumos previamente estabelecidos, formados pelo antigo protagonista, uma ligeira confusão catártica sucede na sua conclusão, com um cruzamento entre entusiasmo vigoroso e uma estranheza deslocada para os seus espectadores principiantes. É um transtorno inevitável que demanda uma jogada arriscada no seu terceiro acto; uma que Inoue precisava de explorar na composição do seu argumento.

Ainda assim, o trajecto espirituoso de Miyagi perdura além desta sensação com um impacto tocante e comovente. Aliás, a viagem de todas as suas personagens sucede grandiosamente no cesto final, assistindo a jornada principal do antigo jogador secundário como da sua prévia estrela central. Todo os membros desta equipa destacam-se durante a competição com flashbacks que revelam as suas relações e motivações emocionais, nunca sentindo-se como uma interrupção ou um time-out dentro da película, invés como uma natural união de espaço, tempo e humanidade, como um olhar partilhado entre jogadores, companheiros e rivais, e como um passe entre histórias pessoais.

The First Slam Dunk é a definição de cool, transpirando um profundo carisma dramático que carrega a sua equipa até uma pontuação formidável. A sua animação cineticamente vibrante espanta com um domínio raramente presenciado dentro deste género; a banda sonora partilhada entre a banda de rock, 10-FEET, e o compositor Satoshi Takebe, estabelece um espectáculo único onde experienciamos o campo como um concerto arrebatador e a vida exterior com uma melancolia introspectiva; o vívido sound design transporta os seus espectadores a sentirem-se como cheerleaders e admiradores sentados nos balcões, desesperados e ansiosos, acompanhados pelo suor e gritos de uma comunidade que partilha as suas derrotas com lágrimas e abraços e celebra as suas vitórias com intensos rugidos de fervor e amor. Antes sequer dos créditos finais, somos possuídos a erguer os nossos punhos numa glória festiva, estejamos sozinhos em casa ou numa sala de cinema esgotada, com uma felicidade transcendente. É o poder eufórico do desporto captado na sétima arte.

4/5
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