The Fall Guy (2024)

de Pedro Ginja

Há muitos anos que a associação de duplos de Hollywood procura uma posição mais digna no mercado de trabalho do cinema americano, e apesar do seu importante papel no seu sucesso os seus esforços continuam a ser ignorados. David Leitch é um de poucos que passou de duplo, no inicio de carreira, para coordenação de duplos e em 2014 para a cadeira de realizador quando co-realizou John Wick (2014), com Chad Stahelski, pelo qual, injustamente, nunca foi creditado. Uma nova era no cinema de acção deve-se ao impacto que John Wick teve na indústria do cinema, em grande parte devido ao co-trabalho de David Leitch que dedicou especial atenção ao design de sequências de acção marcantes e ao trabalho de duplos, em detrimento do uso exagerado de efeitos especiais, que era cada vez mais prevalente na altura por questões económicas e de segurança.  

Após 10 anos a sua liberdade criativa foi ganha com os constantes êxitos de bilheteira que realiza, e do qual o mais recente Bullet Train (2022) foi o perfeito exemplo. Mesmo desequilibrado a nível do argumento nunca desilude na maneira original como constrói sequências de acção, sempre reverentes ao trabalho de duplos. The Fall Guy é o seu mais recente trabalho e desta vez o trabalho de duplo passa para primeiro plano. Colt Seavers (Ryan Gosling) é um duplo de cinema em plena crise de confiança após um grave acidente durante uma sequência de acção. A pedido de uma produtora decide voltar ao trabalho para ajudar a sua ex-namorada Jody (Emily Blunt), que realiza o seu primeiro filme. Quando Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson), a estrela do filme, desaparece Colt não tem outra opção senão o procurar e assim salvar a produção de ser cancelada.

Nada de particularmente inspirado ou original acontece nesta história. Trata-se da habitual trama do herói que ainda tem sentimentos fortes em relação à ex-namorada e que é capaz de qualquer coisa para a conquistar de volta. O que neste momento estão a pensar que vai acontecer é bem provável que seja o que realmente acontece. Após dizer isto acrescento, no entanto, que o duo principal Ryan Gosling e Emily Blunt conseguem transformar o previsível e mediano em algo particularmente delicioso – duas das maiores estrelas de Hollywood da actualidade em termos de carisma, não desiludem. O argumento tem uma combinação de acção e comédia, em igual proporção, o que não deixa de ser surpreendente, mas as sequências de acção são o ex-líbris do filme. Enquanto, em termos de comédia, poderão esperar, no máximo, uns sorrisos tímidos e o ocasional chuckle, no lado da acção somos confrontados com as mais impressionantes sequências dos últimos tempos. Pelo menos desde o último filme de Tom Cruise e até à estreia do novo capítulo de Missão Impossível é bastante provável que não vejam melhor. Mas existe um pormenor que o eleva sobre qualquer outro filme de acção da história de Hollywood: a maneira como nos transporta para os bastidores do mundo dos duplos. É uma “carta de amor” ao imenso trabalho e dedicação que este grupo de profissionais dedica à sua arte e que, continuamente, é menosprezada em favor de outros departamentos técnicos. Talvez seja finalmente tempo de rever esta antiquada noção de haver trabalhos mais dignos, dentro da indústria do cinema, e dar igual importância, na celebração anual de prémios do cinema, ao trabalho de coordenação de duplos. Se este for o filme que o fez já valerá a pena a sua existência.

É também uma sátira ao star-power de Hollywood, bem patente na estrela de cinema Tom Ryder, interpretado por Aaron Taylor-Johnson, marcante na sua exploração da mente de um “menino” mimado e insuportável dos privilégios da meca do cinema e Gail Meyer, pela incontornável Hannah Waddingham, como a produtora disposta a tudo para maximizar o lucro. Ambos parecem estar a divertir-se à grande e transformam, no curto tempo de antena disponível, personagens unidimensionais em divertidos clichês de Hollywood – os melhores momentos cómicos são deles. Existe ainda uma pequena e intensa participação de Stephanie Hsu, como a assistente pessoal de Tom Ryder – Alma Milan, mostrando ainda mais o lado louco dos bastidores da meca do cinema. Nota final para um delicioso cameo perto do final como a alfinetada final à indústria que critica e idolatra na mesma sequência. A ironia não passa despercebida a ninguém.

The Fall Guy não vai mudar a vossa vida mas transformará, com certeza, a percepção que têm em relação ao trabalho notável de coordenação de duplos, e é uma sentida homenagem à sua arte. E confirma, para além de qualquer dúvida, o star-power e carisma transbordante da dupla Ryan Gosling e Emily Blunt. Um thumbs up deste crítico, wink wink.

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